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CELESTE E JESSE PARA SEMPRE


CELESTE E JESSE PARA SEMPRE (Celeste & Jesse forever, 2012, Envision Media Arts/Team Todd/PalmStar Media, 92min) Direção: Lee Toland Krieger. Roteiro: Rashida Jones, Will McCormack. Fotografia: David Lanzenberg. Montagem: Yana Gorskaya, Jonathan Melin. Música: Zach Cowie, Sunny Levine. Figurino: Julia Caston. Direção de arte/cenários: Ian Phillips/Joseph Oxford. Produção executiva: Kevin Frakes, Rashida Jones, Will McCormack. Produção: Lee Nelson, Jennifer Todd, Suzanne Todd. Elenco: Rashida Jones, Andy Samberg, Elijah Wood, Will McCormack, Emma Roberts, Chris Messina, Chris Pine. Estreia: 20/01/2012 (Festival de Sundance)

Celeste e Jesse nasceram um para o outro. Amigos desde a escola, se descobriram almas gêmeas, se apaixonaram, se casaram e pareciam destinados a viverem felizes para sempre. Mas a vida é real e de viés, e como o amor nem sempre é o bastante, Celeste e Jesse estão se divorciando - principalmente porque ela não vê no marido a menor disposição de amadurecer e tornar-se o que ela considera um homem de verdade, digno de ser o pai de um filho seu. Apesar da separação, porém, Celeste e Jesse continuam grudados, morando praticamente juntos (ele ainda vive no estúdio nos fundos da casa dela) e enervando os amigos, que não se conformam com sua relação sui generis. A aparente tranquilidade entre Celeste e Jesse - que poderiam facilmente viver no limbo entre casamento e divórcio para o resto da vida - é quebrada, no entanto, quando o rapaz descobre que uma noite casual de sexo (quando já estava novamente solteiro) terá consequências bem mais sérias do que ele poderia esperar: subitamente, o infantil Jesse está em vias de tornar-se pai, e a exigente Celeste passa a questionar se a separação era o que ela realmente queria. Em crise no trabalho como analista de tendências e vendo o ex-marido avançando na carreira que deixava de lado durante seu relacionamento, ela tenta reconstruir a vida - mas talvez a missão não seja tão fácil quanto ela julgava.

Só de começar justamente pelo fim de um relacionamento - contrariando as regras das comédias românticas hollywoodianas e apostando na melancolia mais do que no encantamento -, "Celeste e Jesse para sempre" já merece ser aplaudido entusiasticamente. Porém, mais do que essa relativa ousadia da atriz e roteirista Rashida Jones (cansada da mesmice do gênero e disposta a enxergar os relacionamentos amorosos por ângulos menos óbvios), o filme estrelado pela própria Jones e por Andy Samberg (antes do estouro da série "Brooklyn Nine-nine") oferece ao público uma gama variada de sentimentos, que vão das risadas resultantes de piadas visuais e verbais e referências pop a algumas discretas lágrimas. Ao criar protagonistas críveis e dotados de falhas que os aproximam profundamente do espectador, o roteiro foge da idealização estéril das histórias de amor cinematográficas para entregar um sensível e (por que não?) incômodo estudo sobre relações humanas. Longe de ser um mergulho denso e sufocante ao estilo Ingmar Bergman, o filme de Lee Toland Krieger - que posteriormente assinaria episódios de séries como "Modern love", "Riverdale" e "Você" - é um exemplar típico do cinema independente norte-americano do começo dos anos 2000, como ""(500) dias com ela" (2009), de Marc Webb, com suas histórias agridoces e simpáticas dispostas a subverter um dos gêneros mais queridos e tradicionais de Hollywood. Distantes da aparência artificial dos símbolos sexuais que frequentam os romances açucarados realizados dentro dos domínios dos grandes estúdios, Jones e Samberg ainda tem a vantagem de serem excelentes intérpretes, dando consistência e veracidade a diálogos dolorosos (e também a outros, mais leves e menos marcantes).

 

"Celeste e Jesse para sempre" talvez deva muito de seu frescor e sua verdade ao fato de ter sido inspirado (muito livramente) no relacionamento dos dois roteiristas, Jones e Will McCormack (que marca presença no filme como um amigo do casal central): toda vez que o roteiro se concentra na relação dos protagonistas e deixa de lado as tramas paralelas desnecessárias (a estrelinha pop que remete a cantoras ao estilo Britney Spears, o amigo gay vivido por Elijah Wood) o filme alcança tons bem mais interessantes e sólidos. Mesmo que o humor por vezes soe um tanto deslocado (mas nunca vulgar ou pastelão em excesso), o equilíbrio entre drama e comédia é certeiro, permitindo ao público respiros aliviados enquanto acompanha as desventuras amorosas de um par que, perceptivelmente, funciona muito mais na teoria que na prática. É um toque de mestre dos roteiristas mostrar que Celeste e Jesse se amam mas estão, apesar de tanta sintonia em determinados pontos, em frequências diferentes no que mais importa - um detalhe crucial que é o algoz de seu relacionamento. Não há certo ou errado na situação (ainda que ela imprima um tom mais duro do que o simpático e quase bobalhão ex-marido) e justamente por isso as coisas funcionem tão bem a maior parte do tempo. É fácil dar razão à Celeste quando ela reclama da falta de ambição de Jesse, assim como não é difícil ficar ao lado dele quando ela resolve perceber que o ama justamente quando ele está finalmente tentando progredir emocionalmente.

São vários os momentos marcantes de "Celeste e Jesse para sempre": a constatação de Jesse que terá um filho e não será com a mulher que ama; o duro diálogo do ex-casal no meio da rua; o discurso de Celeste no casamento de uma amiga. São momentos que emocionam e tocam fundo no espectador - e que provavelmente foram responsáveis para que John Lasseter chamasse a dupla de roteiristas para criar a trama de "Toy story 4" (2019). Simples e complexo ao mesmo tempo (exatamente como a vida), o filme é uma comédia romântica sem açúcar - mas com personagens apaixonantes em suas falhas e equívocos. Uma pérola que comprova o talento de Rashida Jones atrás das câmeras e de Andy Samberg longe de sua tradicional persona boba. Para ver e rever de tempos em tempos.

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