terça-feira

O FILME DA MINHA VIDA

 


O FILME DA MINHA VIDA (O filme da minha vida, 2017, Bananeira Filmes/Globo Filmes/MGM, 113min) Direção: Selton Mello. Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicato, romance "Um pai de cinema", de Antonio Skármeta. Fotografia: Walter Carvalho. Montagem: Marcio Hashimoto. Música: Plínio Profeta. Figurino: Kika Lopes. Direção de arte/cenários: Claudio Amaral Peixoto/Monica Delfino, René Padilha, Claudio Amaral Peixoto. Produção executiva: Vânia Catani, Selton Mello. Produção: Vânia Catani. Elenco: Johnny Massaro, Selton Mello, Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Bia Arantes, Ondina Clais, Martha Nowill, Rolando Boldrin, Erika Januza. Estreia: 03/8/2017

A família é sempre um elemento crucial no cinema de Selton Mello. Desde que iniciou sua carreira como cineasta - com o denso "Feliz Natal" (2008) -, o também ator, roteirista e produtor passou a direcionar sua câmera a personagens mergulhados em dúvidas existenciais e questões mal resolvidas com aqueles que, dividindo o mesmo sangue ou não, fazem parte de seu entorno sentimental. Seja através da claustrofobia de seu primeiro trabalho ou da terna nostalgia de seu filme seguinte, "O palhaço" (2011), a filmografia de Selton espelha, de forma poética e por vezes dolorida, a preocupação com o mais íntimo de seus protagonistas, frequentemente atormentados por fantasmas pessoais. É o que acontece também em "O filme da minha vida", sua terceira incursão na cadeira de diretor: baseado no livro "Um pai de cinema", do chileno Antonio Skármeta, o filme é a história do amadurecimento (amoroso, sexual, profissional) de um jovem abalado pela inexplicável falta de um pai cuja ausência se faz sentida em cada momento. Esteticamente deslumbrante e e com extremo cuidado em cada detalhe, "O filme da minha vida" é um considerável passo à frente na carreira do Selton Mello diretor - tanto em termos visuais quanto narrativos.

Mais um protagonista assombrado por laços sanguíneos problemáticos, o jovem Tony Terranova (Johnny Massaro) retorna à sua Remanso, no ano de 1963, vindo da faculdade, e descobre que seu pai, Nicolas (Vincent Cassel) o está abandonando e à sua mãe para retornar à sua França natal. Atônito com tal situação, ele passa a dedicar seus dias à tentativa de descobrir os motivos que o levaram a atitude tão extrema. Nesse meio-tempo, sua rotina inclui aulas para pré-adolescentes em ebulição hormonal, sua fascinação pela bela Petra Madeira (Bia Arantes) - a ponto de não perceber a atração que exerce na irmã dela, Luna (Bruna Linzmeyer) - e conversas frequentes com Paco (Selton Mello), melhor amigo de seu pai, de quem tenta arrancar pistas sobre seu paradeiro e um exemplo de figura masculina. Misturando-se a lembranças felizes de sua infância, seu sentimento de inadequação o leva a questionar sua capacidade de servir como modelo a seus alunos, ansiosos por entrar na vida adulta.

 
 
 Filmado em cidades da serra gaúcha - local pródigo em locações deslumbrantes, captadas com extrema competência pelo veterano Walter Carvalho -, o terceiro trabalho de Mello seduz, a princípio, pelo visual acachapante, que mergulha o espectador em um mundo à parte, em uma atmosfera rarefeita onde seus personagens transitam de forma (positivamente) afetada. Ao abrir mão do naturalismo que virou marca registrada do cinema nacional, o diretor acaba por exigir mais do público, e lhe oferece em troca uma experiência rica em termos plásticos e emocionais. Com uma trilha sonora escolhida a dedo - com clássicos dos cancioneiros francês e brasileiro ilustrando sequências encantadoras - e um elenco brilhante (dos protagonistas aos menores coadjuvantes, especialmente os infantis), "O filme da minha vida" é o feliz encontro do calor do cinema brasileiro com a sofisticação quase cerebral do cinema europeu. Selton Mello conduz o espectador por um caminho fascinante, em que a emoção brota quando menos se espera - e sempre de forma elegante, como nos filmes assistidos pelo romântico Tony. Mesmo que o desfecho deixe a desejar (depois de uma reviravolta interessante em que o diretor/ator aproveita para fazer uma discreta homenagem ao cinema), as qualidades técnicas e artísticas do filme são tão consistentes que é difícil não se deixar conquistar por elas. Ciente das ferramentas de que poderia utilizar para contar sua história, Mello as aproveita como um veterano, equilibrando técnica e emoção nas medidas certas.

Expandindo o romance que lhe deu origem - escrito pelo mesmo Antonio Skármeta de "O carteiro e o poeta" -, o roteiro de "O filme da minha vida" corre sem pressa diante dos olhos do espectador. A bela paisagem gaúcha emoldura um ritual de passagem repleto de um humor ingênuo e sentimental - algo que também fez parte de "O palhaço" - e tem em Johnny Massaro sua figura de centro. Mesmo apático em alguns momentos, Massaro parece ter encarnado com perfeição o Tony Terranova criado pelos autores, intercalando uma melancolia quase incurável com olhos de esperança inevitável. Ao lado de Selton Mello (o ator em um personagem encantador em sua quase misantropia) e de um elenco que conta com o francês Vincent Cassel em uma participação especialíssima, Massaro prova o alto grau de excelência que o cinema nacional pode alcançar. Pode até não ser um filme para o público que gosta de blockbusters, mas é o cinema brasileiro em seu mais alto patamar artístico.

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