SORTE NO AMOR (Bull Durham, 1988, MGM, 103min) Direção e roteiro: Ron Shelton. Fotografia: Bobby Byrne. Montagem: Robert Leighton, Adam Weiss. Música: Michael Convertino. Figurino: Louise Frogley. Direção de arte/cenários: Armin Ganz/Kris Boxell. Produção executiva: David V. Lester. Produção: Mark Burg, Thom Mount. Elenco: Kevin Costner, Susan Sarandon, Tim Robbins, Robert Wuhl, Trey Wilson, William O'Leary. Estreia: 15/6/88
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Eu acredito na igreja do beisebol. Tentei todas as grandes religiões e a maioria das pequenas. Adorei Buda, Alá, Brahma, Vishnu, Shiva, árvores, cogumelos e Isadora Duncan. Eu sei coisas. Por exemplo, que há 108 contas no rosário católico e há 108 pontos em uma bola de beisebol. Quando soube disso, dei uma chance a Jesus. Mas não deu certo entre nós dois. Deus pôs muita culpa em mim. Eu prefiro metafísica a teologia. Veja, não há culpa no beisebol, e nunca é chato, o que faz dele algo parecido com sexo. Nunca houve um jogador que dormiu comigo e não teve o melhor ano da carreira. Fazer amor é como acertar a bola: é preciso apenas relaxar e se concentrar.
A profissão de fé de Annie Savoy não se refere apenas a sexo e beisebol. Lúcida, bem-resolvida, dona da própria liberdade e do próprio corpo, ela é praticamente uma lenda junto ao Durham Bulls, onde é conhecida por seu ritual anual de escolher um jovem jogador para manter sob sua proteção - sexual e culturalmente falando. Normalmente no controle da situação, ela se vê, no começo da nova temporada, presa a uma inusitada configuração: enquanto se dedica a transmitir sua experiência ao jovem Ebby LaLoosh (Tim Robbins) - um novato tão talentoso quanto prepotente e ligeiramente burro -, ela se percebe surpreendentemente atraída pelo quase veterano Crash Davis (Kevin Costner), contratado justamente para amenizar os rompantes rebeldes do colega mais novo. Contrariando todas as expectativas, Crash resiste ao magnetismo sexual de Annie - principalmente por não ver o sexo com o pragmatismo da bela professora - e acaba por forçar um inesperado triângulo amoroso que afeta até mesmo o desempenho do time no campeonato.
"Sorte no amor" é um caso raro dentro do cinema hollywoodiano: um filme sobre beisebol que não fracassou nas bilheterias. Mesmo longe de ter sido um estouro comercial avassalador, o filme de Ron Shelton teve êxito o suficiente para encorajar os estúdios a apostar no gênero depois de várias tentativas infrutíferas de repetir nas telas o êxito dos estádios. Amparado em um roteiro simpático e agradável - indicado ao Oscar - e no carisma de seu trio de atores principais, o misto de comédia, romance e esporte caiu nas graças das plateias e da crítica sem medo de demonstrar-se uma produção adulta, com um público-alvo bem definido e sem ceder ao humor fácil ou vulgar: apesar de o sexo ser um elemento fundamental para a história, Shelton o utiliza de forma bem-humorada e quase ingênua. A opção de enfatizar o tom cômico da trama (Annie ensinando poesia e literatura a seus amantes, enquanto explora seus dotes físicos; um jogador entrando em campo vestindo roupas íntimas femininas) sobre a sensualidade pura e simples é um acerto - e ninguém melhor que Susan Sarandon do que encarnar ambos os lados da equação.
A princípio recusada pela Orion Pictures sob a alegação de ser velha demais para o papel principal (aos 41 anos!!), Sarandon cala a boca de qualquer opositor assim que entra em cena, com sua personalidade fascinante e exuberante. Não é difícil compreender porque tanto Crash - com sua vasta experiência sexual - quanto LaLoosh - no auge de sua libido juvenil - caem de amores por ela e são capazes de sair no braço por sua atenção. Dando início a um período brilhante de sua carreira (que culminaria com um Oscar por "Os últimos passos de um homem", de 1995), Sarandon enche a tela de um carisma raro - não à toa seu parceiro de cena Tim Robbins apaixonou-se por ela durante as filmagens e casou-se com ela. Certamente nenhuma das outras atrizes sondadas para viver Annie Savoy seria tão perfeita - nem Debra Winger, nem Kelly McGillis, nem Glenn Close e nem Kim Basinger. Nem mesmo a bela Michelle Pfeiffer, não aceita pelo estúdio pelo motivo radicalmente oposto ao de Sarandon (a saber, ser considerada jovem demais para interpretar a calejada fã de beisebol). E, por mais talento que todas elas tenham, química não se encontra em qualquer esquina - e é o que mais se vê entre os três protagonistas.
Kevin Costner, entrando na curva ascendente que lhe renderia uma penca de Oscar por "Dança com lobos" (1991), não é um grande ator, mas seu charme de bom moço caiu como uma luva em sua interpretação do certinho Crash Davis - ainda que outros atores tenham sido cotados para tal, como Jeff Bridges, Nick Nolte, Don Johnson, Richard Gere e Mel Gibson (além dos absurdamente inadequados Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger). E se Tim Robbins - então na flor dos 31 anos de idade - não tinha exatamente o tipo de galã tradicional, encontrou em Ebby LaLoosh um veículo ideal para exibir o timing cômico que chegaria ao ápice em "As aventuras de Erik, o viking" (1989) e o talento para produções menos óbvias, como "Alucinações do passado" (1989). Juntos a Susan Sarandon, são eles que mantém o interesse em "Sorte no amor" mesmo por aqueles que não fazem a menor ideia de como funcionam as regras de beisebol - ou não estão nem um pouco inclinados a saber. Feito para os fãs do esporte, mas sem ignorar o vasto público que não o é, Ron Shelton realizou o melhor filme de sua carreira e um dos melhores do gênero.
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