ELVIS (Elvis, 2022, Warner Bros/Bazmark Films/Roadshow Entertainment, 159min) Direção: Baz Luhrmann. Roteiro: Baz Luhrmann, Craig Pearce, Sam Bromell, Jeremy Doner, estória de Baz Luhrmann, Jeremy Doner. Fotografia: Mandy Walker. Montagem: Jonathan Redmond, Matt Villa. Música: Elliott Wheeler. Figurino: Catherine Martin. Direção de arte/cenários: Catherine Martin, Karen Murphy/Shaun Barry, Beverly Dunn. Produção executiva: Toby Emmerich, Kevin McCormick, Andrew Mittman, Courtenay Valenti. Produção: Gail Berman, Baz Luhrmann, Catherine Martin, Patrick McCormick, Schuyler Weiss. Elenco: Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Richard Roxburg, Kelvin Harrison Jr., Kodi Smith-McPhee, Chaydon Jay. Estreia: 25/5/2022 (Festival de Cannes)
8
indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (Austin Butler), Fotografia,
Montagem, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Som, Maquiagem
Vencedor do Golden Globe de Melhor Ator (Comédia/Musical): Austin Butler
Quem
conhece a filmografia do cineasta australiano Baz Luhrmann sabe que não
se poderia esperar que "Elvis", seu longa-metragem sobre o rei do rock,
fosse uma cinebiografia convencional e quadradinha. Rejeitando (pero no
mucho) quase todas as regras de um gênero que raramente se arrisca a
inovações, Luhrmann não se restringe a encapsular, em pouco mais de duas
horas e meia de projeção, os 42 anos do célebre cantor: embaralhando
todas as cartas à sua disposição - graças a uma edição magistral e a um
roteiro que não se prende a cronologias -, o homem que deu ao mundo o
visceral "Moulin Rouge: o amor em vermelho" (2001) faz a sua homenagem
não apenas ao artista Presley, mas também ao homem Elvis, à força
transformadora e rebelde da música e - por que não? - a um período
crucial da história sócio-política dos EUA, quando figuras seminais como
Martin Luther King e Robert Kennedy dividiam espaço com personalidades
infames como Charles Manson. Além disso, foge do previsível ao centrar
seu foco na relação entre o cantor e seu empresário/mentor/amigo/algoz,
Coronel Tom Parker - interpretado com a garra de sempre por um
irreconhecível Tom Hanks (vítima de críticas pouco simpáticas por parte
da imprensa).
Narrado por Parker - o que
oferece uma dose a mais de ironia e cinismo à trajetória do rockstar -,
"Elvis" percorre o caminho de Presley desde o começo de seu sucesso até
sua trágica morte, em agosto de 1977. No entanto, o roteiro passa ao
largo de momentos cruciais à carreira do protagonista - como sua
carreira em Hollywood -, para concentrar-se em suas relações
interpessoais (com os pais, com o empresário, com Priscilla) e em suas
tentativas de fugir das regras morais de uma sociedade conservadora e
racista. Isso não quer dizer, no entanto, que Luhrmann prive a plateia
de números musicais: eles existem e são avassaladores, especialmente
graças ao trabalho impecável de Austin Butler no papel-título.
Praticamente desconhecido do grande público - apesar de ter o cultuado
"Era uma vez.... em Hollywood" (2019) no currículo -, Butler foi a
escolha perfeita do diretor: seu desempenho evita as armadilhas que uma
mera imitação poderia trazer e envolve o espectador (e os fãs) ao
iluminar um ser humano palpável e com sentimentos reais, a anos-luz de
qualquer caricatura. Seja no palco, recriando as polêmicas coreografias
que tanto incomodavam os puritanos, ou nos bastidores, em momentos mais
intimistas, o jovem ator faz esquecer que, a princípio, pouco lembra
fisicamente o verdadeiro Elvis. Sua entrega - que lhe rendeu um Golden
Globe e uma merecida indicação ao Oscar de melhor ator - é o maior
trunfo de um filme que tem muitos deles.
É
inegável que "Elvis" peca na maneira de informar ou detalhar situações
importantes da vida e da carreira de seu protagonista - a impressão é
que muita coisa passa correndo na tela, mal dando tempo ao público de
entender tudo de forma consistente. Porém, levando-se em conta o estilo
festivo e espalhafatoso de Baz Luhrmann, tudo faz sentido. Um celebrante
do kitsch desde seu primeiro trabalho para as telas - o cult "Vem
dançar comigo" (1992) -, o cineasta encontrou no universo feérico das
apresentações do cantor um terreno fértil para exercitar suas obsessões
visuais. Não para menos, conta com sua fiel escudeira, Catherine Martin,
na concepção artística do projeto - casada com o diretor desde 1997 e
com quatro Oscar na prateleira (por "Moulin Rouge" e "O grande Gatsby",
de 2013). Juntos, eles imprimem em seus filmes um estilo único,
facilmente reconhecível e controverso: a cada fã deslumbrado com seus
exageros estéticos, há um detrator insatisfeito com tamanha opulência.
Tal divisão está, inclusive, no cerne de "Elvis": tudo que faz da
filmografia de Luhrmann uma exceção dentro da indústria hollywoodiana
está presente em seu sexto longa, para o bem ou para o mal. Em sua obra
não há espaço para elocubrações psicológicas ou aprofundamentos
dramáticos - o que importa é o que está diante dos olhos do espectador e
como isso pode lhe afetar emocionalmente. Em "Elvis" isso está patente
em cada escolha estética, em cada ângulo de câmera, em cada corte de
edição. Interessa a Luhrmann soterrar a plateia de informações visuais e
sonoras, para conduzí-la a uma viagem sinestésica. Quem iniciar o filme
procurando uma narrativa comum certamente irá levar um choque. Quem
sabe com quem está lidando vai se confrontar com uma produção
caprichada, tecnicamente irrepreensível, emocional e reverente - à obra
de Presley, à sua figura como ser humano e, aplausos a isso, à
importância da cultura negra para sua música e seu sucesso.
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