quinta-feira

VIDAS AMARGAS


VIDAS AMARGAS (East of Eden, 1955, Warner Bros., 115min) Direção: Elia Kazan. Roteiro: Paul Osborn, baseado no romance de John Steinbeck. Fotografia: Ted McCord. Montagem: Owen Marks. Música: Leonard Rosenman. Elenco: James Dean, Julie Harris, Raymond Massey, Jo Van Fleet, Richard Davalos. Estreia: 09/3/55

4 indicações ao Oscar: Diretor (Elia Kazan), Ator (James Dean), Atriz Coadjuvante (Jo Van Fleet), Roteiro Adaptado
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Jo Van Fleet)

Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme/Drama

Reza a lenda - e não há porque ser apenas uma lenda - que o escritor John Steinbeck, quando conheceu James Dean, antes do início das filmagens da adaptação de sua obra-prima "A leste do Éden" por Elia Kazan, disse para quem quisesse ouvir: "Este É Cal!", referindo-se a um dos protagonistas da obra. E se o próprio criador da personagem o afirmou com tanta segurança, discordar quem há de? Mesmo porque, basta se assistir aos primeiros minutos de "Vidas amargas" (como foi batizado em português o filme de Kazan) para que qualquer dúvida a respeito da certeza do escritor se dissipe rapidamente. Até mesmo aqueles que nunca leram o livro no qual o filme é baseado (o que não deixa de ser um pecado, uma vez que o livro é FABULOSO!!!!) não podem deixar de concordar que poucas vezes um ator e sua personagem tiveram um casamento tão perfeito. James Dean realmente É Cal Trask. Duvida?

"Vidas amargas" se passa em 1917, às vésperas da I Guerra Mundial, na pequena cidade agrícola de Salinas. Lá, vive o religioso e rígido Adam Trask (Raymond Massey), que criou sozinho os dois filhos depois da morte da esposa, por quem era loucamente apaixonado. Seu alto grau de exigência em relação aos filhos acaba sempre colocando-o em rota de colisão com o caçula, Caleb (James Dean), cuja relação com preceitos religiosos e regras pré-estabelecidas não é das melhores. O eterno conflito entre os dois naturalmente faz com que Adam tenha uma afinidade muito maior com o mais velho, Aron (Richard Davalos), um rapaz sério, trabalhador e ciente de seus deveres familiares, religiosos e sociais. Sentindo-se sempre rejeitado (não sem uma certa razão), Cal busca desesperadamente conquistar a admiração e o amor do pai, nem sempre utilizando de métodos ortodoxos para isso. O ápice de sua luta pelo carinho paterno acontece quando ele descobre que sua mãe na verdade não morreu - ela abandonou a família e montou um bem-sucedido bordel na cidade vizinha - e pede a ela dinheiro emprestado para repor a pequena fortuna que seu pai perdeu em um negócio equivocado. Incompreendido por todos à sua volta, resta a Cal apenas a amizade (amor?compreensão?) de Abra (Julie Harris), a noiva de seu irmão.

Por que James Dean É Cal Trask? Biógrafos e psicanalistas de plantão poderiam dar mil razões (todas elas provavelmente acertadas), mas o que mais salta aos olhos é a similaridade entre a relação pai/filho entre Cal e Adam e Dean e seu próprio genitor. Praticamente abandonado por Winston Dean depois da morte da mulher, o pequeno Jimmy foi criado por tios e nunca teve um relacionamento feliz e estável com seu pai, a quem tentava agradar mais do que a todos no mundo. Winston queria que James seguisse uma carreira mais "séria" e em nenhum momento se deixou orgulhar-se do filho (pelo menos enquanto este estava vivo). Sabendo desse detalhe da vida do jovem ator fica difícil não emocionar-se ainda mais com suas cenas ao lado de Raymond Massey. O que está em cena não é apenas uma personagem batalhando pela aceitação e admiração do pai: é James Dean (pouco) disfarçado buscando o amor de seu familiar mais próximo e ao mesmo tempo mais distante.


Hoje sabe-se que Elia Kazan - que não tornou-se um dos maiores fãs de Dean depois de trabalhar com ele - incentivava, nos bastidores, a discórdia entre o iniciante ator e o veterano Raymond Massey, que não gostava do "método" com que Dean trabalhava. Dean, fã de Marlon Brando quase às raias da obsessão, tentava imitar-lhe (ou seja, falava com uma dicção quase ininteligível, improvisava, buscava mais a emoção do que a técnica) e incomodava Massey. Kazan não tentava apaziguar os ânimos, utilizando a hostilidade entre eles como matéria-prima de suas cenas mais emocionais. Quem pode dizer que não deu certo? Alguém pode reclamar de algumas das melhores cenas da carreira do diretor, como a discussão à mesa de jantar quando Cal recusa-se a ler a Bíblia da maneira com que Adam deseja ou a decepção do rapaz ao ver seu presente de aniversário rejeitado? James Dean e Raymond Massey em cena soltavam faíscas. E quem ganhou foi o público.

Mas "Vidas amargas" não é somente James Dean. Ainda que seja praticamente impossível tirar os olhos do ator quando ele está em cena (assim como acontecia com seu ídolo Marlon Brando), o filme de Elia Kazan tem méritos que seriam suficientes para fazê-lo sobreviver ao tempo mesmo que seu elenco fosse outro (e quase foi!! Marlon Brando mesmo foi cotado para o papel de Cal, ao lado de Montgomery Clift como Aron). O próprio John Steinbeck supervisionou o processo de filmagem, e aprovou o resultado final - vale lembrar que o filme adaptou apenas a segunda parte do extenso (644 páginas na edição mais recente pela Record) romance do autor, centrando-se na disputa dos dois irmãos pelo amor do pai (uma clara alusão à história de Caim e Abel). A bela fotografia em Technicolor de Ted McCord e a música de Leonard Rosenman contribuem lindamente para o resultado final e Jo Van Fleet, como Kate, a mãe de Cal e Aron, levou um Oscar de atriz coadjuvante por sua atuação (ainda que apareça bem pouco, suas cenas são cruciais para o desenvolvimento da ação).

"Vidas amargas" não é o melhor filme de Elia Kazan nem tampouco de James Dean. Kazan é dono de obras-primas como "Sindicato de ladrões" e "Uma rua chamada pecado" e Dean, mesmo morrendo seis meses após a estreia do filme ainda deixaria sua marca em dois outros grandes clássicos: "Juventude transviada" (que firmaria sua imagem icônica de rebeldia) e "Assim caminha a humanidade" (que daria um respeito póstumo a seu trabalho como ator). Mas é um filme dramaticamente forte e realizado com o brilhantismo habitual de Kazan. Ainda que esbarre em alguns pequenos problemas de ritmo e tenha um elenco coadjuvante um tanto quanto anêmico (Julie Harris e Richard Davalos são o melhor exemplo), "Vidas amargas" é a respeitável adaptação de um dos maiores romances do século. Convenhamos que não é pouca coisa!

4 comentários:

Anônimo disse...

O filme "Vidas Amargas" (excelente), é apenas uma gota dágua no oceano, retirada da obra de John Steimbeck "A Leste do Eden"
cujo livro é bem volumoso.

Alexandre Figueiredo disse...

Dramático e denso do início ao fim, o filme é excelente para quem aprecia o gênero; e ainda tem o James Dean que mostra porque é lembrado até hoje.

Anônimo disse...

Fã incondicional de James Dean.
Com certeza a atuação de James Dean é perfeita... não creio que algum outro ator o superaria neste filme.

Anônimo disse...

Eu vou ter que discordar, acho este o melhor filme de James Dean e também a sua melhor interpretação! E acho Julie Harris e Richard Davalos perfeitos, (embora Paul Newman que fez teste para ser Aaron também seria uma bela escolha). O filme deveria ter ganhado todos os oscars daquele ano, principalmente para Dean.

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