CINE
HOLLIÚDY (Cine Holliúdy, 2013, Dowtown Films, 91min) Direção e roteiro: Halder Gomes.
Fotografia: Carina Sanginitto. Montagem: Helgi Thor. Direção de
arte/cenários: Juliana Ribeiro. Produção executiva: Halder Gomes, Dayane
Queiroz. Produção: Halder Gomes. Elenco: Edmilson Filho, Miriam
Freeland, Roberto Bomtempo, Joel Gomes, Rainer Cadete, Jesuíta Barbosa,
Falcão. Estreia: 09/8/13
A princípio, um filme nacional cujo protagonista lembra Carlitos e que pode ser descrito como uma mistura entre "Cinema Paradiso" (1989), de Giuseppe Tornatore e "Bye bye, Brasil" (1976), de Cacá Diegues pode parecer um samba do crioulo doido, uma miscelânea sem sentido de estilos e nacionalidades com tudo para dar errado. Porém, quando a comédia "Cine Holliúdy" chega a seus créditos finais, depois de uma hora e meia de um humor ingênuo e despretensioso, é impossível ao espectador não ter se deixado cativar. Versão estendida de um curta-metragem do cineasta cearense Helder Gomes, o filme é uma lufada de ar fresco nas comédias pasteurizadas e rigidamente presas à fórmula já desgastada do tradicional cinema de humor brasileiro. Com raízes nitidamente regionalistas e sem ter vergonha delas - muito pelo contrário, as assume com extremo orgulho e as utiliza como mais um meio de fazer rir, através de um dialeto particular a ponto da necessidade de se utilizar legendas para melhor compreensão - "Cine Holliúdy" é uma grande e carinhosa brincadeira com a sétima arte, debochado e nostálgico em doses exatas. E de quebra ainda faz uma sutil crítica aos governos populistas e à chegada da televisão nos mais escondidos recantos do país, matando assim, a diversão popular representada pelo circo e pelas salas de cinema.
Apesar das leituras sociais e políticas que pode suscitar, porém, "Cine Holliúdy" é, acima de tudo, entretenimento. E dos bons. Simples, direto e sem medo de atingir o público pela pureza de seu humor quase infantil, o filme de Halder Gomes se beneficia de uma estrutura narrativa sem maiores ousadias e um protagonista cujo carisma gigantesco conquista o espectador logo de cara. Dotado de uma esperança e uma pureza que o tornam irresistível a qualquer público, Francisgleydisson é herdeiro direto do vagabundo de Chaplin, com seu humor físico de uma precisão cirúrgica e seu humanismo à toda prova. Não à toa, faz parte de sua receita uma criança (seu filho, que tem no pai seu maior e infalível ídolo) e uma dama (sua esposa, apaixonada pelo marido e disposta a qualquer sacrifício para manter-se a seu lado e alimentar seus sonhos). É esse triângulo familiar o alicerce no qual se sustenta a trama criada pelo cineasta, que mergulha no coração do Brasil dos anos 70 para contar uma história de amor ao cinema - mais especificamente o cinema de artes marciais que consagrou-se à época graças a filmes de Bruce Lee e outros menos cotados. São filmes assim que Francisgleydisson apresenta em seu cinema itinerante, que sofre com a concorrência da televisão e a burocracia que enfrenta em cada cidade a que chega.
Sem medo de apostar em estereótipos para alcançar com facilidade a simpatia do público, Helder Gomes acerta em cheio ao assumir o lado quase circense de seu filme. Quando Francisgleydisson e sua família chegam à uma pequena cidade do interior do Ceará para abrir seu "Cine Holliúdy", o que se vê na tela é um desfile de tipos impagáveis, invariavelmente com o objetivo de fazer rir através da identificação imediata. Muitas vezes sem mesmo um nome, os habitantes do lugar surgem para comentar a chegada da novidade, expor suas expectativas e, posteriormente, unir-se aos demais conterrâneos na fatídica exibição, um clímax cuidadosamente preparado para arrancar gargalhadas sem muito espaço para qualquer tipo de aprofundamentos psicológicos e/ou dramáticos. Em certos casos, seria um defeito. No filme de Gomes, é um gol de placa: de forma certeira ele apresenta seus personagens secundários com poucas linhas de texto e não é preciso mais nada para que todos eles já fiquem registrados na mente do espectador. O galã, o cego, o gay, a moça fogosa, o padre, o prefeito, a primeira-dama e outros tipos são apenas símbolos, arquétipos cômicos que fortalecem a proposta do cineasta em fazer de seu filme um microcosmo do Brasil, uma visão bem-humorada de um país que, mesmo afundado em uma ditadura militar, ainda não havia desistido de sonhar (e que metáfora melhor para o sonho do que uma tela de cinema?).
Diretor de dois filmes de temática espírita ("Bezerra de Menezes" e "As mães de Chico Xavier"), Helder Gomes encontrou em "Cine Holliúdy" sua voz definitiva. É um filme de personalidade forte e com o timing exato de humor e sensibilidade (em um equilíbrio inversamente proporcional ao italiano "Cinema Paradiso", de quem pega emprestado o nome e a temática), além de ser dono de uma brasilidade absolutamente indissociável de sua trama e protagonistas. Na pele do doce e sonhador Francisgleydisson, o ator Edmilson Filho - campeão de artes marciais que faz uso de seu impressionante talento para o humor físico para criar uma antológica sequência na parte final do filme - surge como uma grande revelação do cinema nacional, uma alternativa saudável e renovadora aos artifícios do chamado "cinema comercial brasileiro". Com seu carisma à serviço de um roteiro delicioso, de humor brejeiro mas nunca vulgar, ele transforma o filme em uma joia rara, digno de figurar entre as grandes comédias já produzidas no Brasil. Imperdível!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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