É
APENAS O FIM DO MUNDO (Juste la fin du monde, 2016, Sons of Manual/MK2
Productions/Téléfilm Canada, 97min) Direção: Xavier Dolan. Roteiro:
Xavier Dolan, peça teatral de Jean-Luc Lagarce. Fotografia: André
Turpin. Montagem: Xavier Dolan. Música: Gabriel Yared. Direção de
arte/cenários: Colombe Raby/Pascale Deschênes. Produção executiva:
Patrick Roy. Produção: Sylvain Corbeil, Xavier Dolan, Nancy Grant,
Elisha Karmitz, Nathanael Karmitz, Michel Merkt. Elenco: Gaspard Ulliel,
Marion Cotillard, Vincent Cassel, Léa Seydoux, Nathalie Baye. Estreia:
19/5/16 (Festival de Cannes)
Um perfeito exemplo de
que nem mesmo a crítica é capaz de chegar a um consenso quando se trata
de arte é o filme "É apenas o fim do mundo", sexto longa-metragem do
jovem canadense Xavier Dolan: vaiado pela imprensa na ocasião de sua
estreia no Festival de Cannes de 2016, o filme acabou saindo da Riviera
Francesa com o Grande Prêmio do Júri Oficial e o Prêmio do Júri
Ecumênico, além de ter ficado entre os nove pré-finalistas ao Oscar de
melhor filme estrangeiro do ano. Sucesso de bilheteria na França, onde
arrastou mais de 1 milhão de pessoas às salas de cinema, a adaptação da
peça teatral de Jean-Luc Lagarce é, talvez, o mais maduro filme do
diretor, que mantém nele suas características mais importantes mas
consegue, ao mesmo tempo, administrar sua tendência ao excesso e
entregar à plateia uma obra dramaticamente consistente e visualmente
atraente, com um equilíbrio excepcional entre as linguagens do teatro e
do cinema e um elenco excepcional.
Encontrando no texto
de Lagarce - inspirado em suas próprias vivências familiares - uma
matéria-prima que vai ao encontro de sua coerente filmografia até o
momento, Xavier Dolan constrói uma atmosfera claustrofóbica e
melancólica que, como qualquer bom teatro, vai se avolumando
gradativamente até a explosão final, catártica e emocional. Ao contrário
de seus filmes anteriores, onde os conflitos eram sempre resolvidos no
grito - do início ao fim da projeção - em "É apenas o fim do mundo" os
dramas são tratados de forma discreta, sutil, em fogo brando, dando
apenas pequenas mostras do turbilhão que se passa nos corações e nas
mentes de seus personagens, todos com uma saudável cota de problemas e
angústias. Utilizando com inteligência a linguagem cinematográfica, ele
faz uso exemplar dos silêncios reveladores e da edição minimalista, que
revelam com parcimônia o clima de desespero e nostalgia que acompanha a
visita do protagonista à casa dos pais, doze anos depois de sua
deserção. Vivido com brilhante suavidade por Gaspard Ulliel (que foi o
herói romântico de "Eterno amor" (04), de Jean-Pierre Jeunet), o
escritor Louis Knipper é mais um alter-ego do cineasta, mas concebido
com mais nuances e menos agressividade - uma docilidade que contrasta
com a violência de seus dramas pessoais.
Afastado
da família há mais de uma década, Louis resolve fazer uma inesperada
visita à cidade natal, com o objetivo declarado já em sua primeira fala,
de "anunciar a sua morte". Assim que chega em casa, porém, o rapaz já
se vê diante da dificuldade de expressar seus sentimentos, uma vez que
todos parecem munidos de uma extrema incapacidade de empatia. Sua
excêntrica mãe (Nathalie Baye) preocupa-se exclusivamente com o cardápio
da ocasião, falando sem parar para disfarçar seu desconforto. Sua irmã
caçula, Suzanne (Léa Seydoux) - com quem teve pouco contato - é uma
jovem rebelde e hostil, que vê nele uma possibilidade de abandonar um
lar opressivo e tedioso. Seu irmão mais velho, Antoine (Vincent Cassel),
é bruto, amargo e pouco afeito a demonstrações de carinho - nem mesmo
com a bela e fragilizada esposa, Catherine (Marion Cottilard).
Sintomaticamente, é com ela, a única pessoa sem laços de sangue, que
surge o maior entendimento: não é preciso palavras para que a
frequentemente oprimida Catherine descubra o motivo da visita de Louis,
que aos poucos passa a questionar a decisão de informar à família seu
estado de saúde.
Com uma trilha sonora escolhida a dedo
- desde a abertura com "Home is where it hurts", da cantora Camille,
até os créditos finais ao som de "Natural blues", de Moby - Dolan pontua
sua narrativa com imagens poderosas (um de seus pontos fortes) para
ilustrar as muitas vezes dolorosas palavras escritas por Jean-Luc
Lagarce, que encontram nos atores escolhidos pelo diretor seus
intérpretes ideais. Gaspard Ulliel nunca esteve tão bem, transmitindo a
dor de seu personagem mesmo sendo o mais silencioso dentre toda a
barulhenta família. Nathalie Baye - que já havia trabalhado com o
diretor em "Laurence anyways" (2012) - se entrega com corpo e alma à sua
quase desagradável mãe, enquanto Vincent Cassel faz como ninguém o tipo
"boçal com orgulho". Não à toa, ambos estão foram indicados ao César de
coadjuvantes - o filme também está no páreo de melhores ator, diretor,
montagem e filme estrangeiro. Mas é Marion Cottilard, mais uma vez, que
rouba a cena. Com uma personagem que difere de tudo que já fez até então
- uma mulher oprimida e quase humilhada por um marido abusivo - a
vencedora do Oscar por "Piaf, um hino ao amor" (2008) mostra, mais uma
vez, porque é uma das grandes atrizes de sua geração. Seus momentos de
dor e compreensão com Gaspard Ulliel são o grande trunfo de "É apenas o
fim do mundo", um filme de silêncios e segredos que aponta um novo
caminho na carreira de Xavier Dolan. Difícil entender as vaias.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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