terça-feira

A BRUXA DE BLAIR


A BRUXA DE BLAIR (The Blair Witch Project, 1999, Haxan Films, 81min) Direção, roteiro e montagem: Daniel Myrick, Eduardo Sánchez. Fotografia: Neal Fredericks. Música: Tony Cora. Direção de arte: Ben Rock. Produção executiva: Bob Eick, Kevin J. Foxe. Produção: Robin Cowie, Gregg Hale. Elenco: Heather Donahue, Joshua Leonard, Michael C. Williams. Estreia: 25/01/99 (Festival de Sundance)

Mesmo parte de um gênero acostumado a produzir fenômenos culturais e de bilheteria, o independente "A bruxa de Blair"garantiu, desde seu lançamento no Festival de Sundance de 1999, um lugar todo especial na história do cinema de terror. Produzido com irrisórios 60 mil dólares, sem atores conhecidos no elenco e calcado quase que completamente em uma bem engendrada campanha de marketing, o filme de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez tornou-se um dos filmes essenciais da década de 1990 principalmente ao mostrar aos grandes estúdios que orçamentos gigantescos, efeitos visuais de última geração e astros milionários nem sempre são fundamentais para chamar a atenção a uma produção. Usando e abusando de câmera na mão (o que se convencionou chamar de found footage e virou febre desde então), os cineastas conseguiram transformar uma ideia simples em uma máquina de dinheiro - e mesmo que o resultado artístico tenha deixado a desejar para muitos, sua importância enquanto marco cultural é inquestionável.

Eternizado no Guinness como a maior receita de um filme na história - com uma renda de mais de 248 milhões de dólares ao redor do mundo - e filmado em parcos oito dias, "A bruxa de Blair" se aproveita de sua quase indigência para fazer dela um charme extra e talvez um de seus maiores chamarizes. Ao eleger como astros um trio de atores desconhecidos - o que deu margem a especulações de que tudo que acontece na tela era verdade -, Myrick e Sánchez aproximaram o espectador comum da ação, evitaram o distanciamento que uma produção com grandes estrelas de Hollywood fatalmente acarreta e romperam o paradigma do heroi solitário (ou heroína, no caso, já que o gênero terror é pródigo em moldar mulheres fortes, como bem provam Jamie Lee Curtis em "Halloween" e Neve Campbell em "Pânico") para criarem uma atmosfera sombria onde tudo pode acontecer - inclusive uma carnificina sem sobreviventes ou incidentes sobrenaturais com graus variados de sutileza.

E sutileza é a palavra de ordem em "A bruxa de Blair": apesar de ser um filme de terror com o objetivo de fazer o público roer as unhas de tensão, a produção dos jovens cineastas (Myrick tinha 35  anos à época da estreia, e Sánchez tinha feito apenas 30) evita a sanguinolência explícita e os sustos em ritmo de montanha-russa. Fazendo uso inteligente de seu orçamento restrito, a dupla prefere inserir a plateia em seu universo aflitivo, obrigando-a a testemunhar, de forma crescente, o desespero de seus personagens conforme vão duvidando, a cada passo dentro da floresta, de suas próprias certezas a respeito de uma lenda que até então julgavam apenas parte de um mito popular. Escorando-se na fascinação do público pelo mistério e no medo quase irracional do desconhecido, o filme faz um gol de placa ao sugerir muito mais do que mostrar - o poder da imaginação, como bem sabe Steven Spielberg desde seu "Tubarão" (1975) é muito maior do que qualquer punhalada ou decapitação, e nesse ponto Myrick e Sánchez são absolutamente felizes.

Também é admirável a forma com que os diretores conduziram a produção de seu primeiro filme. Primeiro, eles criaram a lenda da Bruxa de Blair - uma história que remete ao século XVIII, na pequena cidade de Burkittsville, Maryland e que fala sobre sacrifícios infantis, uma mulher vista por nativos locais em forma semi-animal, assassinatos em série e mutilações. Depois, convenceram os atores Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. Williams a tomarem parte de um documentário que versaria sobre a tal lenda - e que seria filmado na própria cidade que foi palco dos acontecimentos e na floresta onde aconteceram tais crimes. As filmagens foram um pesadelo para os inexperientes intérpretes: os diretores não lhes avisaram que iriam forjar acontecimentos inesperados durante as noites em que estariam acampados e tudo que está no filme é absolutamente real. Tudo, menos a lenda da bruxa - e tudo é tão crível que muita gente levou a sério o tom documental da produção, a ponto de fazer de Burkittisville um ponto turístico e dar origem a um falatório que só aumentava as filas nas salas de cinema. "A bruxa de Blair" é, sem dúvida, o falso documentário mais bem-sucedido da história - ao menos em termos comerciais.

Os espectadores que lotaram os cinemas, curiosos em assistir ao fenômeno de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, se dividiam ao final das sessões. Para cada um aterrorizado e tenso que saía da sala com os nervos à flor da pele, havia pelo menos um contrariado com o que se poderia chamar de falta de ação. Ambos tem razão: realmente uma edição mais caprichada poderia ter limado alguns momentos mais aborrecidos do filme, que demora demais para engrenar (com exceção dos primeiros minutos, onde a lenda da bruxa é estabelecida com entrevistas bastante interessantes - e falsas, logicamente). Porém, quando os protagonistas se perdem na floresta, tem início alguns dos minutos mais tensos do cinema de horror contemporâneo: obviamente é preciso ter paciência e saber que o que vem pela frente é o poder da sugestão em estado bruto, onde pequenos ruídos, choros distantes e objetos aparentemente inofensivos podem catalisar o medo mais absoluto - em especial àqueles mais sensíveis. Longe de ser uma unanimidade, mas inequivocamente histórico, "A bruxa de Blair" jamais pode ter seu poder de fogo subestimado - ao menos em termos de reconfigurar a maneira como o marketing era visto pelos engravatados de Hollywood.

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