segunda-feira

FRENESI


FRENESI (Frenzy, 1972, Alfred J. Hithcock Productions/Universal Pictures, 116min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Anthony Shaffer, romance "Goodbye Piccadilly, Farwell Leicester Square", de Arthur La Bern. Fotografia:  Gil Taylor. Montagem: John Jympson. Música: Ron Goodwin. Figurino: Julie Harris. Direção de arte/cenários: Syd Cain. Produção: Alfred Hitchcock. Elenco: Jon Finch, Barry Foster, Barbara Leigh-Hunt. Gênero: Suspense. Duração: 116min. Estreia: 19/5/72

Penúltimo filme do mestre do suspense e seu retorno à Inglaterra natal, "Frenesi" é uma espécie de sumário das maiores obsessões de Alfred Hitchcock. Em pouco menos de duas horas, o cineasta convida o espectador a mergulhar em uma narrativa que mescla dois pontos focais essenciais à sua obra: as angústias de um inocente acusado por algo que não cometeu e a trajetória errática do verdadeiro criminoso, que engana todos à sua volta mas tem seu caminho iluminado pela câmera ora elegante, ora sufocante do diretor de fotografia Gil Taylor. Baseado no romance "Goodbye Piccadilly, Farewell Leicester Square, de Arthur La Ber,o 52º título da carreira de Hitchcock também apresenta, à sua maneira sombria e mórbida, uma homenagem à Londres de sua infância - mais precisamente o bairro de Convent Garden, com sua mixórdia de sons, transeuntes e memórias afetivas. Nada mais apropriado ao homem que viveu de deixar o público grudado na poltrona do que jogar luz no cenário de seus dias inocentes utilizando-o como palco de uma série de assassinatos brutais.

Deixando de lado o glamour que frequentemente envolvia seus filmes - cortesia normalmente de suas famosas loiras Grace Kelly, Ingrid Bergman e Tippi Hedren -, em Frenesi o cineasta britânico vira seu foco para uma série de personagens comuns e desprovidos de quaisquer qualidades extremas. Nada do ar torturado de Henry Fonda em "O homem errado" ou da elegância de Cary Grant em "Intriga internacional": o Richard Blaney interpretado por Jon Finch não busca a compaixão do público por ser bonito ou até mesmo simpático (problema da falta de carisma de Finch ou escolha deliberada de Hitchcock? Nunca saberemos ao certo). O assassino Bob Rusk (em papel oferecido a Michael Caine) tampouco tem o ar sedutor de um Norman Bates: nas mãos do ator Barry Foster, é um criminoso frio e atroz, sem nenhuma possibilidade de redenção ou empatia. Hitchcock não faz uso de sua capacidade espetacular de manipulação dramática em boa parte de sua narrativa, preferindo contar a história de forma quase fria e documental. O público torce que a verdade surja e liberte Blaney não porque ele é um galã de cinema ou porque é um ser humano exemplar, mas porque é inocente e ponto final. Da mesma forma, se Rusk demonstra ser desprezível ao trair o melhor amigo não é por esse motivo (pelo menos não apenas por ele) que o espectador deseja sua ruína: o que lhe faz ainda menos merecedor de solidariedade é o fato de estuprar e matar mulheres com a mesma frieza com que oferece uvas no mercado público.


Em "Frenesi", Hitchcok abdica de boa parte dos artifícios que o consagraram como mestre de seu ofício - não à toa seus colaboradores habituais não estão nos créditos -, mas mesmo assim não abre mão de exercitar um humor de que somente ele era capaz. Talvez na melhor sequência do filme, ele joga seu vilão em um caminhão de batatas, junto ao cadáver de sua última vítima, que tem em sua propriedade um objeto que pode lhe incriminar. Em longos minutos de silêncio, o cineasta demonstra um impecável senso de ritmo e concisão - e ainda consegue fazer com que a plateia torça (provavelmente inconscientemente) pelo sucesso do assassino, esquecendo, por alguns instantes, que ele foi capaz não apenas de colecionar uma série de mulheres mortas por estrangulamento como também de colocar a polícia atrás daquele que o considera seu amigo mais leal. Até que volte ao normal e relembre que Bob Rusk é vil, cruel e traiçoeiro, o público fica de respiração suspensa com a possibilidade de que ele seja descoberto. Ironias de que Hitchcock é professor!

Recebido entusiasticamente no Festival de Cannes de 1972 mas raramente lembrado como um dos destaques da carreira de Alfred Hitchcock - ainda que o prestigiado crítico Roger Ebert o tenha elogiado apaixonadamente em sua estreia -, "Frenesi" não agradou ao autor do romance que lhe deu origem (que foi relançado com o nome do filme para aproveitar o momento), foi taxado de misógino e até mesmo a filha do diretor o considerou tão perturbador que proibiu seus filhos de o assistirem por muitos anos. Mas é, provavelmente, o filme que melhor encerra a trajetória do cineasta em termos de cânone. Apresenta uma trama envolvente, personagens amorais, humor sombrio, sequências eletrizantes e uma técnica invejável - elementos nem todos presentes em seu derradeiro trabalho, "Trama macabra". Mesmo longe de seu auge criativo e furor narrativo, Hitch ainda ofereceu a seus fãs uma obra digna de figurar em sua vencedora filmografia.

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