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O MISTÉRIO DE AGATHA


O MISTÉRIO DE AGATHA (Agatha, 1979, Sweetwall/First Artists/Warner Bros, 105min) Direção: Michael Apted. Roteiro: Kathleen Tynan, Arthur Hopcraft, estória de Kathleen Tynan. Fotografia: Vittorio Storaro. Montagem: Jim Clark. Música: Johnny Mandel. Figurino: Shirley Russell. Direção de arte/cenários: Shirley Russell. Produção: Jarvis Astaire, Gavrik Losey. Elenco: Vanessa Redgrave, Dustin Hoffman, Timothy Dalton, Helen Morse, Celia Gregory, Paul Brooke. Estreia: 09/02/79

Em dezembro de 1926, no auge do sucesso de seu primeiro romance policial, "O assassinato de Roger Ackroyd", a escritora inglesa Agatha Christie simplesmente desapareceu por onze dias, dando origem a uma busca cujas respostas, mesmo depois de seu reaparecimento e décadas depois de sua morte, ainda permanecem incógnitas. Fascinada com o incidente, a britânica Kathleen Tynan surgiu com a ideia de um documentário que traria a história às novas gerações - mas viu suas pretensões sucumbirem diante da falta de financiamento. Ainda obcecada, deu asas à imaginação e criou uma obra fictícia, na qual Christie assumia o papel de protagonista em um mistério romântico. O roteiro caiu nas mão David Puttnam, um dos produtores mais poderosos de Hollywood no final dos anos 1970 e não demorou para que outros nomes de prestígio estivessem envolvidos no projeto. O que poderia ser um sonho para Tynan - seu roteiro levado às telas por gente graúda e com visibilidade grande o bastante para chamar a atenção do público de uma forma que um documentário dificilmente conseguiria - logo tornou-se uma tormenta. E o responsável por problemas que complicaram a produção era justamente aquele cuja presença no elenco pareceu, a princípio, uma bênção: Dustin Hoffman.

No final da década de 1970, Hoffman já era um ator consagrado. Em seu currículo apresentava sucessos de público e crítica - além de três indicações ao Oscar de melhor ator. Sua entrada no projeto, então, apontava um caminho de êxito para a produção. O problema era que o papel de Hoffman na trama era praticamente inexistente - e não fazia sentido, na visão dos produtores, contratar uma estrela de seu porte para aparecer na tela por poucos minutos. A solução, então, pareceu óbvia: aumentar sua participação na história e alterar substancialmente o script de Kathleen Tynan. Para isso, Hoffman, a essa altura promovido a produtor, chamou seu amigo Murray Schisgal - que acabou não sendo creditado como roteirista - e passou a expandir consideravelmente sua importância na trama. Tantas modificações acabaram por incomodar Puttnam, que saiu do projeto jurando nunca mais trabalhar com o ator, e levando a produção ao perigoso caminho dos atrasos, estouros de orçamento e processos legais - sim, o espólio de Agatha Christie não ficou nem um pouco feliz com a ideia de relembrar o caso e ameaçou paralisar as filmagens, até que, protegido pela classificação de "obra de ficção", o filme pode finalmente seguir seu curso até sua estreia (adiada em alguns meses), em fevereiro de 1979.

 

Não se sabe exatamente como era o roteiro original de Kathleen Tynan, mas é perceptível que a interferência de Dustin Hoffman levou a trama a um caminho romântico que provavelmente não constava na sinopse - ou ao menos com tanta importância. O filme, dirigido por Michael Apted, não demora a voltar sua atenção não apenas às dúvidas existenciais de Agatha (Vanessa Redgrave, bem mas um tanto deslocada) mas a uma improvável história de amor entre ela e o jornalista Wally Stanton (Hoffman), que descobre seu paradeiro em um spa. Fugindo de um divórcio do marido, o Coronel Archibald Christie (Timothyy Dalton), a escritora se mantém sob pseudônimo na afastada propriedade, mas acaba se deixando seduzir pelo repórter, que finge não tê-la reconhecido para cavar uma história exclusiva. Uma trama inverossímil e pouco criativa que esbarra, também, na falta de química entre Redgrave e Hoffman - dois grandes intérpretes em momento pouco inspirado de suas carreiras - e no ritmo claudicante, que faz seus 105 minutos parecerem três longas horas.

No final das contas, entre mortos e feridos salvaram-se todos. Dustin Hoffman - que ameaçou abandonar as filmagens em determinado ponto, sendo acalmado por Apted - estava realmente em um período difícil na carreira, até então em franca ascensão. Praticamente decidido a abandonar o cinema e dedicar-se apenas ao teatro, mudou de ideia depois de um encontro, ainda durante as filmagens em Londres, com o produtor Stanley R. Jaffe e o diretor Robert Benton, que lhe ofereceram o papel principal de "Kramer vs Kramer" - que lhe renderia seu primeiro Oscar. Vanessa Redgrave, em seu primeiro desempenho pós-Oscar de atriz coadjuvante por "Julia" (1977), foi eclipsada por uma trama sem força o bastante para exigir dela todo o seu potencial, mas logo em seguida apagou a má impressão com seu trabalho irretocável no televisivo "Amara sinfonia de Auschwitz" (1980). E Michael Apted, em pouco tempo se tornou figurinha fácil nas cerimônias da Academia, com filmes de sucesso como "O destino mudou sua vida" (1980) e "Nas montanhas dos gorilas" (1988). Menos marcante do que poderia ter sido - levando-se em conta sua equipe de grandes talentos -, "O mistério de Agatha" pode até ser uma curiosidade para os fãs da escritora, mas fica devendo muito em termos de cinema.

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