segunda-feira

NA CAPTURA DOS FRIEDMAN


NA CAPTURA DOS FRIEDMAN (Capturing the Friedmans, 2003, HBO Documentary, 107min) Direção: Andrew Jarecki. Fotografia: Adolfo Doring. Montagem: Richard Hankin. Música: Andrea Morricone. Direção de arte: Nava Lubelski. Produção: Andrew Jarecki, Marc Smerling. Estreia: 17/01/2003 (Festival de Sundance)

Indicado ao Oscar de Melhor Documentário

No começo dos anos 2000, o cineasta Andrew Jarecki estava trabalhando na produção de um documentário que falaria sobre pessoas que ganhavam a vida como palhaços em festas de aniversário infantis em Nova York. Sua pesquisa o levou até David Friedman, considerado então o melhor profissional do ramo, na cidade. Mal sabia Jarecki que tal encontro o levaria a caminhos bem diferentes em sua carreira - incluindo uma indicação ao Oscar e uma polêmica que chegou a questionar o sistema judiciário norte-americano. "Na captura dos Friedman", o filme que gerou tanta controvérsia e o colocou na luta pela estatueta da Academia é, ainda hoje, quase duas décadas depois de seu lançamento, uma produção capaz de fazer questionar não apenas os desdobramentos de uma história no mínimo dúbia - mas também o papel da mídia na divulgação e cobertura de crimes graves.

O encontro de Jarecki com David Friedman o apresentou a uma história que lhe pareceu muito mais interessante e promissora do que seu projeto original - que foi lançado como extra na versão em DVD de "Na captura dos Friedman" nos EUA. Em 1987, seguindo uma investigação sobre pornografia infantil, a polícia chegou até a casa de Arnold Friedman  - um conhecido professor de computação para pré-adolescentes, pai de família e membro respeitado da comunidade de Great Neck, Long Island. Ao confessar ser receptador do material, Arnold acabou por dar margem a um aprofundamento maior àsinvestigações, e viu sua vida completamente destruída a partir daí. Acusado de molestar sexualmente seus alunos - devidamente interrogados pelas autoridades -, o aparentemente exemplar cidadão é preso juntamente com seu filho caçula, Jesse (de dezoito anos de idade), igualmente acusado pelos crimes. Enquanto aguardam julgamento em liberdade, pai e filho lidam com a pressão da vizinhança, da imprensa, da opinião pública e, mais grave ainda, da própria família. Enquanto os filhos mais velhos, David e Seth, acreditam na inocência do pai e do irmão mais jovem, Elaine, a esposa de Arnold, não tem tanta certeza assim - e essa desconfiança é a pá de cal na harmonia familiar.


 

Repleto de imagens registradas por David em filmes caseiros feitos durante o período pré-julgamento - e que acabaram sendo providenciais para a edição final do documentário de Jarecki -, "Na captura dos Friedman" é um estudo fascinante sobre a dissolução de um núcleo familiar de aparência sólida e, ao mesmo tempo, um inquietante drama policial, em que nada parece ser exatamente o que é. Mesmo que o filme seja perceptivelmente favorável à teoria de que as investigações sobre os abusos sexuais foram em boa parte forjadas - por interrogatórios duvidosos e tecnicidades que acabaram por prejudicar os réus -, há muito espaço, entre as entrevistas, as imagens de arquivo e as consequências do caso em si, para vastos questionamentos. O próprio Arnold Friedman assume, em determinado momento, que não a imagem que sempre transmitiu não corresponde à realidade: não apenas confessa ser pedófilo, mas revela também já ter cometido abusos sexuais em menores (fato nunca confirmado por qualquer evidência, mas mesmo assim perturbador). E o que dizer da possibilidade de Jesse ter sido molestado pelo próprio pai? Verdade ou jogada da defesa para diminuir a pena do rapaz? E as entrevistas do filme com as alegadas vítimas do professor - postas em xeque depois da estreia, por suas inconsistências? Nada é definitivo em "Na captura dos Friedman" - o que explica seus desdobramentos judiciais, que se mantiveram ativos por muitos anos depois da morte do patriarca.

As críticas feitas a "Na captura dos Friedman" à época de seu lançamento tinham muito mais a ver com a postura dúbia do cineasta em relação à culpa ou não de seus protagonistas do que a respeito do filme em si. Realmente há pouco do que reclamar em relação ao documentário de Andrew Jarecki - que depois mergulharia na história de outro réu célebre nos EUA, com o filme "Entre segredos e mentiras" (2010), estrelado por Ryan Gosling e Kirsten Dunst, e com a série documental "The Jinx: a vida e as mortes de Robert Durst" (2015): mantendo o interesse do público até seu último minuto, graças a uma edição ágil mas recheada de informações, o diretor conduz seu trabalho com seriedade e respeito aos envolvidos, evitando ao máximo o sensacionalismo barato. O resultado final pode até ser discutido em termos morais, éticos e/ou jurídicos, mas enquanto cinema é daqueles filmes de tirar o fôlego.

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