quarta-feira

EDUARDO E MÔNICA


EDUARDO E MÔNICA (Eduardo e Mônica, 2020, Gávea Filmes/Barr Company/Fogo Cerrado/Globo Filmes) Direção: Renê Sampaio. Roteiro: Claudia Souto, Jessica Candal, Matheus Souza, Michele Frants, canção de Renato Russo. Fotografia: Gustavo Hadba. Montagem: Lucas Gonzaga, Letícia Giffoni. Música: Pedro Guedes, Fabiano Krieger, Lucas Marcier. Figurino: Valeria Stefani. Direção de arte/cenários: Tiago Marques Teixeira. Produção executiva: Gabriel Bortolini, Mariana Ricciardi. Produção: Bianca De Felippes, Juliana Funaro, Renê Sampaio. Elenco: Alice Braga, Gabriel Leone, Otávio Augusto, Juliana Carneiro da Cunha, Victor Lamoglia. Estreia: 08/3/2020 (Festival de Miami)

Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar: ficou deitado e viu que horas eram, enquanto Mônica tomava um conhaque noutro canto da cidade, como eles disseram...

Não havia quem ouvisse rádio na segunda metade da década de 1980 que não conhecesse a terna história de amor de Eduardo e Mônica, personagens principais de uma das mais populares obras da banda Legião Urbana. Lançada no álbum "Dois", de 1986, a canção tornou-se, com o tempo, atemporal e parte do inconsciente coletivo nacional, conhecida até mesmo por aqueles para quem o grupo liderado por Renato Russo não passa de uma peça de museu. Como uma crônica irônica e ao mesmo tempo sensível de um tempo e uma geração, a quilométrica letra de Russo já era, desde sua gênese, um roteiro implorando para ser filmado - e diante disso até que demorou para que Eduardo e Mônica passassem de ícones culturais oitentistas a protagonistas de uma produção cinematográfica. Dirigido pelo mesmo Renê Sampaio que traduziu outra obra de Russo para as telas - o polêmico "Faroeste Caboclo", de 2013 - e estrelado pelos carismáticos Alice Braga e Gabriel Leone, a versão em carne de osso dos improváveis amantes teve seu lançamento atrasado pela Covid-19 (sua pré-estreia aconteceu em março de 2020, no Festival de Miami), mas finalmente chegou ao público. A boa notícia: apesar de alguns probleminhas de ritmo e de uma segunda metade que praticamente abandona o material original, o resultado final é leve, agradável e romântico na medida certa. 

A primeira metade do roteiro de Claudia Souto, Jessica Candal, Matheus Souza e Michele Frantz segue quase à risca a letra de Renato Russo. Está tudo lá: Mônica fazendo Medicina, falando alemão, gostando de Bauhaus e Rimbaud; Eduardo vendo novela e jogando futebol de botão com seu avô; as diferenças dos dois como combustível para a paixão nascente. Nessa fase, é fascinante a maneira como Renê Sampaio se utiliza dos anos 1980 como cenário de um período onde tudo apontava para tempos melhores. A trilha sonora repleta de hits da época ajuda não apenas a situar cronologicamente a trama, mas também para comentar a ação - por coincidência, a balada "Total Eclipse Of The Heart", clássico de Bonnie Tyler, que serve como catarse para uma divertida sequência, também serve como apoio no belo "Deserto particular", de Aly Muritiba - e não deixa de ser inteligente acrescentar um tom político à trama. Se a música da Legião Urbana sequer tocava em temas espinhosos, o filme de Sampaio faz do avô de Eduardo um militar aposentado e conservador e do falecido pai de Mônica um comunista exilado durante a ditadura. Tal subtrama não chega a ser desenvolvida como poderia, mas levando-se em conta que a história se passa em Brasília no período da abertura democrática, não deixa de ser interessante - principalmente graças ao talento de Otávio Augusto dando vida a um famigerado "cidadão de bem".

 

A segunda metade do filme, no entanto, deixa de lado o que se conhece para apostar na fórmula já consagrada do cinema romântico a que todos estão acostumados. Separados por motivos profissionais, Eduardo e Mônica precisam lidar com a distância, com as inseguranças a respeito de suas diferenças - as mesmas que os atraíram a princípio - e com todas as questões complicadas atreladas a um relacionamento. A queda do ritmo nessa fase da narrativa é perceptível, e é de se questionar os motivos que levaram os roteiristas a tal opção - talvez os mesmos que fizeram com que a versão para as telas de  Faroeste Caboclo tenha sido tão diferente de sua origem musical. Na tentativa de fugir do previsível e do óbvio, os realizadores de "Eduardo e Mônica" acabaram por desfigurar uma história já consagrada na mente de milhões de fãs. Para sua sorte, contam com atores do nível de Alice Braga e Gabriel Leone - ele, principalmente, transmite toda a gama de sentimentos de seu Eduardo com segurança de veterano, e impede que os clichês atrapalhem a diversão. É difícil não se identificar com seu adolescente desajeitado apaixonado por uma mulher mais velha e experiente - justamente a questão que fez com que todo mundo, por décadas a fio, questionasse se existe razão nas coisas feitas pelo coração.

"Eduardo e Mônica" é um drama romântico com tudo que isso tem de bom e de ruim. É repleto de lugares-comuns, é previsível e não se preocupa em aprofundar psicologicamente seus personagens. Porém, é agradável, é simpático, é leve e tem um irresistível apelo nostálgico que disfarça muito bem seus defeitinhos. Renato Russo estaria orgulhoso!

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