GRACE
DE MÔNACO (Grace of Monaco, 2014, Stone Angels/YRF Entertainment,
103min) Direção: Olivier Dahan. Roteiro: Arash Amel. Fotografia: Eric
Gautier. Montagem: Olivier Gajan. Música: Christopher Gunning. Figurino:
Gigi Lepage. Direção de arte/cenários: Dan Weil. Produção executiva:
Claudia Blumhuber, Jeremy Burdek, Florian Dargel, Uta Fredebeil, Irene
Gall, Bill Johnson, Nadia Khamlichi, Adrian Politowski, Jonathan Reiman,
Jim Seibel, Gilles Waterkeyn, Bruno Wu. Produção: Arash Amel, Uday
Chopra, Pierre-Ange Le Pogam. Elenco: Nicole Kidman, Tim Roth, Frank
Langella, Paz Vega, Parker Posey, Milo Ventimiglia, Derek Jacobi.
Estreia: 14/5/14 (Festival de Cannes)
Em 2007, o
cineasta Olivier Dahan comoveu o mundo e revelou o talento de Marion
Cottilard ao contar a história de um dos maiores ícones da música
francesa em "Piaf, um hino ao amor" - que rendeu à bela Cottilard o
merecidíssimo Oscar de melhor atriz. Sete anos e dois filmes mais tarde,
ele tentou repetir o sucesso, dessa vez mirando sua câmera para outro
ídolo popular - e uma das mulheres mais invejadas do mundo: Grace Kelly,
musa de Hitchcock, atriz vencedora do Oscar e, sonho dos sonhos,
princesa do Condado de Mônaco após seu casamento com o Príncipe Rainier.
Acontece que, apesar da história forte (a vida real de Kelly nos
cômodos do palácio real não era tão idílica quanto parecia), do talento
de Nicole Kidman no papel central e do talento do diretor em sublinhar a
emoção de seus personagens sem soar piegas, "Grace de Mônaco" naufragou
fragorosamente. Depois de abrir o Festival de Cannes de 2014, o filme
de Dahan se viu em uma situação inusitada: os distribuidores americanos
(os famigerados irmãos Weinstein, ex-Miramax) não gostaram do resultado
final e exigiam uma nova montagem para a estreia nos EUA. O impasse
estendeu-se tanto que somente um ano mais tarde o filme finalmente
chegou ao mercado ianque - pela televisão, em uma terceira montagem,
diferente da mostrada em Cannes e da realizada pelo produtor e
roteirista Arash Amel para agradar aos Weinstein. O resultado de tanta
briga? O filme foi praticamente ignorado pelo público.
Não
merecia tal destino. Ainda que esteja bem longe das qualidades
mostradas por Dahan em "Piaf", "Grace de Mônaco" é um filme honesto,
sério, inteligente e avesso à tentação de ser apenas um amontoado de
fofocas a respeito dos bastidores da realeza. Tampouco é uma
cinebiografia convencional, que acompanha a trajetória da protagonista
desde seus tempos de atriz consagrada - premiada com o Oscar por "Amar é
sofrer" - até sua precoce morte em um acidente automobilístico em 1982.
O roteiro de Arash Amel se concentra em um período bastante específico
da vida da princesa - mais precisamente os meses de 1962 que a obrigaram
a tomar partido de sua vida como mãe e esposa em detrimento de uma
volta à Hollywood proposta por Hitchcock - e espertamente faz um
interessante paralelo entre as questões diplomáticas a que Kelly era
obrigada mesmo sem ter vocação para isso, e a séria crise entre Mônaco e
a França, que, sob o comando de Charles De Gaulle, exigia o pagamento
de impostos que poderia dar fim ao Condado. Infeliz no casamento com o
Príncipe Rainier (Tim Roth, eficiente no papel), ela sente-se incapaz de
cumprir as expectativas do marido e do povo, e o convite para estrelar
"Marnie, confissões de uma ladra" serve de catalisador para uma crise
também em sua relação.
Sentindo
que voltar ao cinema poderia ser visto como uma espécie de descaso a
seu papel como monarca - impressão enfatizada pelos discursos pouco
incentivadores do marido e pelos conselhos de Francis Tucker (Frank
Langella), um religioso americano que lhe serve de figura paterna -
Kelly resolve recusar o convite de Hitchcock e dedicar-se à arte de ser
uma princesa. Temerosa também de perder a guarda dos filhos em caso de
divórcio, ela assume o papel mais importante de sua vida, apoiando o
marido na época mais delicada de sua vida. Mesmo rejeitando seus ideais
políticos e sociais e abdicando de sua personalidade forte - o que lhe
aproximava da amiga Maria Callas (Paz Vega) - a bela se torna um exemplo
de força e determinação quando resolve interferir na perigosa disputa
com o presidente francês e se vê às voltas com traições políticas que
envolvem pessoas muito mais próximas do que poderia imaginar. O atentado
ao presidente De Gaulle é a deixa que ela precisa, então, para assumir
as rédeas da situação.
Deixando claro que seu roteiro é
inspirado em fatos reais, mas tratando-os de maneira ficcional, "Grace
de Mônaco" se beneficia das enormes possibilidades dramáticas que
rodeiam o universo da protagonista, oferecendo à Nicole Kidman a chance
de brilhar em vários níveis. Quando interpreta a mulher insatisfeita com
sua vida que deseja libertar-se da armadilha inclemente de ser uma
pessoa pública, ela convence sem fazer esforço. Quando se transforma na
deslumbrante e carismática princesa que ajuda a transformar a história -
uma liberdade poética apropriada e escrita com delicadeza - ela
transborda fascínio. E quando deixa transparecer através do olhar toda a
sua frustração em relação a seus objetivos de caridade atrapalhados por
interesses políticos, ela é intensa e verdadeira. Escorrega um pouco
quando sua Grace Kelly tenta aprender os traquejos da vida de princesa -
um tom leve que destoa do restante da narrativa - mas se recupera com
maestria ao desfilar toda a majestade de uma mulher que descobriu na
marra o que acontecia depois dos finais felizes dos contos de fada.
Kidman é a alma do filme de Dahan. Merecia que o filme tivesse sido
lançado decentemente e encontrado seu público.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quinta-feira
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