O REGRESSO (The revenant, 2015, Regency Enterprises, 156min) Direção: Alejandro González Iñárritu. Roteiro: Mark L. Smith, Alejandro González Iñárritu, livro de Michael Punke. Fotografia: Emmanuel Lubezki. Montagem: Stephen Mirrione. Música: Alva Noto, Ryuichi Sakamoto. Figurino: Jacqueline West. Direção de arte/cenários: Jack Fisk/Beauchamp Fontaine, Hamish Purdy. Produção executiva: Markus Barmettler, Jennifer Davisson, David Kanter, Philip Lee, Jake Myers, James Packer, Brett Ratner. Produção: Steve Golin, Alejandro González Iñárritu, Arnon Milchan, Mary Parent, Keith Redmon, James W. Skotchdopole. Elenco: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Domnhall Gleeson, Lukas Haas, Thomas Guiry, Will Poulter, Forrestt Goodluck, Kristoffer Joner. Estreia: 16/12/15
12 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Alejandro G. Iñárritu), Ator (Leonardo DiCaprio), Ator Coadjuvante (Tom Hardy), Fotografia, Montagem, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Maquiagem, Efeitos Visuais, Edição de Som, Mixagem de Som
Vencedor de 3 Oscar: Diretor (Alejandro G. Iñárritu), Ator (Leonardo DiCaprio), Fotografia
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme (Drama), Diretor (Alejandro G. Iñárritu), Ator/Drama (Leonardo DiCaprio)
As três estatuetas conquistadas por "O regresso" na cerimônia do Oscar 2016 são marcantes por si mesmas: Leonardo DiCaprio finalmente saiu-se vitorioso, para alívio dos fãs que clamavam por isso no mínimo desde "Titanic" (1997); Alejandro G. Iñárritu levou seu segundo prêmio consecutivo de diretor (depois do exótico "Birdman"); e Emmanuel Lubezki tornou-se a primeira pessoa a acumular três Oscar seguidos de fotografia. Mas, apesar de todas essas curiosidades, é preciso dizer que elas apenas refletem o que fica claro ao término de uma sessão: mais do que a epopeia de um homem em busca de sobrevivência e vingança e mais do que um filme feito com a intenção de arrebatar o Oscar, "O regresso" é a comprovação da tenacidade, da versatilidade e do talento de Iñárritu como homem de cinema. Completamente diferente de todos os seus filmes até então - boa parte deles ainda na fase de colaboração com o roteirista Guillermo Arriaga - e muito mais ambicioso do que eles, sua odisséia de som e fúria é uma impressionante tour de force, valorizada pelo trabalho irretocável de DiCaprio, por um visual estonteante e uma história quase inacreditável - mas que, por incrível que pareça, foi inspirada em fatos reais.
Contada no livro de Michael Punke (publicado no Brasil pela editora Intrínseca à época da estreia do filme no país), "O regresso" chegou aos cinemas com algumas alterações cruciais em relação à obra original, compreensíveis do ponto de vista narrativo - e de certa forma mais empolgantes do que seriam caso houvesse fidelidade total. A maior diferença entre livro (e realidade) e filme é a criação de Hawk (Forrest Goodluck), filho do protagonista Hugh Glass com uma índia e motivo de suas desavenças com parte de seu grupo de comerciante de peles, pouco afeitos à miscigenação racial: é a morte de Hawk que, no filme, empurra Glass em direção à vingança, sentimento que o mantém vivo apesar da série de acontecimentos trágicos pelos quais ele passa. Na verdade, não há nenhum registro de que Glass tenha sequer se casado, especialmente com uma indígena, apesar de proceder o fato principal da história: ele realmente foi deixado à própria sorte por seus companheiros depois de quase morrer atacado por um urso - e realmente foi atrás dos responsáveis por isso, enfrentando desafios impensáveis em um inverno particularmente gelado no ano de 1823. Para retratar a natureza em toda a sua magnitude (assim como sua violência involuntária), Iñárritu e Emmanuel Lubezki resolveram usar a luz natural o máximo possível - o resultado é deslumbrante, mas em compensação, tal capricho arrastou as filmagens por um período extremamente longo de nove meses, entre o Canadá e o sul da Argentina, e inchou o orçamento inicial (de 60 milhões de dólares) para 135 milhões, recuperados graças ao sucesso de bilheteria - quase surpreendente em se tratando de um filme razoavelmente difícil de vender - pelo mundo todo.
Seu sucesso comercial, no entanto (mais de 500 milhões arrecadados no total), deve-se, em grande parte, à presença de Leonardo DiCaprio, um ator tão talentoso quanto popular - e bastante inteligente na hora de escolher seus projetos. Para encarar as difíceis filmagens de "O regresso", que o esgotaram fisicamente e o obrigaram inclusive a sair de sua dieta vegetariana para encarar um pedaço de carne crua, o ator abriu mão de estrelar "Steve Jobs", dirigido por Danny Boyle: o papel ficou com Michael Fassbender, que, por ironia, disputou a estatueta da Academia com o próprio DiCaprio. Para ter DiCaprio em seu filme, Iñárritu também fez sacrifícios (ainda que muito bem recompensados): adiou o início da produção para que seu protagonista filmasse "O lobo de Wall Street" (2013) e realizou seu "Birdman" (2014), que lhe rendeu os Oscar de filme, direção e roteiro original. Comparado com a grandiosidade de "O regresso", a história do ator de cinema que busca a redenção artística produzindo teatro sério é quase minimalista: em nenhum momento de sua carreira até então o cineasta mexicano havia demonstrado uma pretensão artística tão grande, apesar da complexidade narrativa de alguns de seus trabalhos anteriores, como "Amores brutos" (2000), "21 gramas" (2003) e "Babel" (2006), todos em parceira com Arriaga. O fim de sua colaboração é sentida em "O regresso" - apesar de ser um filme de encher os olhos e prender a atenção até o final, falta a ele um elemento crucial: um roteiro mais coeso e claro (fato evidente por sua ausência na generosa lista de 12 indicações à estatueta dourada). É, por vezes, difícil acompanhar a história, contada em três linhas narrativas paralelas: nunca fica claro, por exemplo, os motivos das brigas entre índios e brancos, e tampouco as brigas dos indígenas entre si. É louvável que Iñárritu não coloque os índios como vilões sanguinários, mas sempre que o foco se desvia de Glass para as desavenças internas das tribos inimigas o filme perde força e ritmo.
Felizmente isso acontece poucas vezes, já que a trama é centrada basicamente em Hugh Glass: parte integrante de um grupo de comerciantes de peles animais no início do século XIV, ele é brutalmente atacado por um urso, que o deixa à beira da morte. Sem condições de carregá-lo de volta para casa, seu capitão, Andrew Henry (Domhnall Gleeson), propõe a três de seus homens que fiquem encarregados de cuidar dele - e dar-lhe um enterro digno quando chegar a hora. Os três homens que se dispõem a isso são o filho de Glass (o mestiço Hawk), o jovem Jim Bridger (Will Poulter) e o ambicioso John Fitzgerald (Tom Hardy) - o único dos três a aceitar a missão puramente por dinheiro. Não demora muito, porém, para que Fitzgerald seja flagrado por Hawk tentando matar Glass e o resultado é trágico: o rapaz é assassinado diante dos olhos do pai, que é enterrado vivo por Fitzgerald, que mente à Bridger a respeito de sua morte. Surpreendentemente vivo - depois de violentamente ferido pelo urso e esfaqueado por seu novo inimigo - Glass encontra forças para sair de sua cova e partir em busca de revanche, enquanto um grupo de índios Arikara procura a filha de seu chefe, sequestrada por um homem branco.
Iñárritu não poupa a plateia de sequências de tirar o fôlego - seja pela beleza natural dos cenários, magistralmente fotografados, seja pela violência extrema de algumas cenas. Amparado por uma atuação devastadora de Leonardo DiCaprio e um Tom Hardy assustador roubando todas as cenas em que aparece - sua indicação ao Oscar de coadjuvante foi absolutamente merecida -, "O regresso" é um filme empolgante, apesar de sua duração excessiva (provavelmente oriunda de seu desejo óbvio de ser um grande épico) que o torna um tanto cansativo, e de sua falha em criar uma conexão mais sólida entre o protagonista e o público: o diretor está tão interessado em mostrar que é capaz de provocar espanto com seu visual que deixa de lado o desenvolvimento dos personagens. Um pecado que até pode não incomodar àqueles que se deixam deslumbrar pelas belas imagens, mas que o impede de ser ainda maior. Ainda assim é um ponto alto na carreira de todos os envolvidos.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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