terça-feira

SOB A SOMBRA

SOB A SOMBRA (Under the shadow, 2016, Wigwam Films, 84min) Direção e roteiro: Babak Anvan. Fotografia: Kit Fraser. Montagem: Christoper Barwell. Música: Gavin Cullen, Will McGillvray. Figurino: Phaedra Dahdaleh. Direção de arte/cenários: Nasser Zoubi/Karim Kheir. Produção executiva: Patrick Fischer, Khaled Haddad, Nick Harbinson, Duncan McWilliam. Produção: Emily Leo, Oliver Roskill, Lucan Toh, Tim Werenko (versão em inglês). Elenco: Narges Rashidi, Avin Manshadi, Bobby Naden, Arash Marandi, Aram Ghasemy. Estreia: 22/01/16 (Festival de Sundance)

Um filme de terror iraniano? Pode parecer estranho que um país com uma tradição de produções tão calcadas no realismo seja capaz de criar algo notável em um gênero cujos principais elementos divergem radicalmente de sua filmografia, mas toda regra tem sua exceção. E nesse caso, a exceção é "Sob a sombra", filme de estreia do jovem Babak Anvari, que concorreu a uma vaga entre os indicados ao Oscar 2017 como representante do Reino Unido. Reino Unido? Explica-se: apesar de passar-se em Teerã, o filme de Anvari é uma coprodução entre o Reino Unido, Catar e Jordânia (onde foi realmente filmado). Isso explica, em parte, sua liberdade em questionar, através da protagonista, Shideh, a posição da mulher no país - em especial no momento em que se passa a trama, logo após a Revolução Islâmica, quando o Irã estava em guerra com o Iraque e bombardeios eram comuns e parte da rotina da população. Relegada à segundo plano na sociedade, sem conseguir nem mesmo retornar aos estudos na Faculdade de Medicina, é ela que, sozinha, tentará salvar a si mesma e à filha pequena de ameaças sobrenaturais que povoam seu prédio - vítima constante de ataques à bomba e gradualmente esvaziado pelo medo dos habitantes. Dotada de grande força e coragem em encarar fatos inexplicáveis, ela mostra que de frágil seu sexo não tem nada - e, de quebra, leva a plateia junto em um pesadelo sutil mas bastante apavorante.

Sem apelar para efeitos visuais mirabolantes, Anvari segue a linha da sugestão, se apoiando basicamente no clima construído pela fotografia e pela trilha sonora, nem sempre deixando óbvio ou previsível o que está por acontecer. Sua concisão é admirável: em menos de 90 minutos ele consegue contar sua história sem torná-la superficial ou simplista. É só depois de dois atos calcados na realidade que ele finalmente começa a apavorar a plateia, a princípio com pequenos acontecimentos estranhos, e depois, conforme Shideh vai ficando sozinha em seu edifício, com sequências de fazer qualquer um pular da poltrona - e o melhor de tudo: com uma discrição ímpar, totalmente amparada nos medos mais primitivos do espectador. Não há sangue, nem mortes violentas, nem assassinos mascarados: em "Sob a sombra" o terror é puramente aquele que todo mundo prefere não lembrar que pode existir de verdade mas nem sempre consegue.


Quando o filme começa, Shideh (a ótima atriz Narges Rashidi) acaba de ver recusada sua tentativa de voltar à faculdade - trancada por ocasião da Revolução. Frustrada, ela não encontra apoio nem do marido, Iraj (Bobby Naderi), que logo em seguida é chamado para trabalhar fora do país, em uma zona de guerra. Vivendo em um prédio frequentemente alvejado por bombardeios, ela se nega a abandonar o apartamento - como fazem todos os seus vizinhos, apavorados com a situação - e resolve permanecer em sua casa, ao lado da filha pequena, Dorsa (Avin Manshadi). Com o tempo, porém, a guerra passa a ser sua menor preocupação: depois de perder sua boneca preferida, Dorsa começa a sofrer de uma febre intermitente e alega ter medo dos djinns (demônios da cultura muçulmana) que estão à sua volta. Informada de que tais demônios se aproveitam do medo e da fragilidade psicológica das pessoas, Shideh se dedica a procurar o brinquedo da filha, cujo desaparecimento é uma evidência a mais da presença do mal. Sozinha, ela lida com o medo do desconhecido e com as possibilidades cada vez maiores de mais bombas caírem em sua cabeça.

"Sob a sombra" é um filme inteligente: não apenas critica a visão da sociedade iraniana sobre a mulher como também consegue ser extremamente eficaz em suas tentativas de imprimir uma atmosfera de tensão e claustrofobia constantes. Com enquadramentos clássicos, Anvari convida o espectador a uma viagem aparentemente banal, mas repleta de pequenos momentos que, juntos, se transformam em uma experiência assustadora. Materializações inesperadas, sons vindos do nada, sensações angustiantes... tudo faz parte da receita criada pelo diretor, que acerta em cheio em não exagerar nada: cada cena, cada sequência, cada diálogo é crucial para a trama e seu desenvolvimento, o que evita tempos mortos e uma profusão de efeitos visuais que apenas enfraqueceria a história. Com doses exatas de cada ingrediente, "Sob a sombra" é uma grata surpresa para aqueles que procuram fugir dos blockbusters hollywoodianos mas ainda não estão preparados para abdicar totalmente de seus elementos. Uma pérola!

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