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EM TRANSE

EM TRANSE (Trance, 2013, 20th Century Fox, 101min) Direção: Danny Boyle. Roteiro: John Hodge, Joe Ahearne, estória de Joe Ahearne. Fotografia: Anthony Dod Mantle. Montagem: Jon Harris. Música: Rick Smith. Figurino: Suttirat Larlab. Direção de arte/cenários: Mark Tildesley/Dominic Capon. Produção executiva: Bernard Bellew, François Ivernel, Cameron McCracken, Steven Rales, Tessa Ross, Mark Royball. Produção: Christian Colson. Elenco: James McAvoy, Rosario Dawson, Vincent Cassell, Danny Sapani, Matt Cross. Estreia: 19/3/13

Quem esperava que Danny Boyle fosse escolher um projeto ambicioso logo após a chuva de Oscar de "Quem quer ser um milionário?" (2008) e dos elogios rasgados ao angustiante "127 horas" (2010) levou um susto quando o cineasta escocês lançou "Em transe". Barato - custou apenas 20 milhões de dólares, o que costuma ser o cachê de astros como Julia Roberts e Tom Cruise - e sem o apelo de um livro conhecido ou atores com apelo de arrastar multidões aos cinemas, "Em transe" passou quase em brancas nuvens pelos cinemas americanos e só conseguiu se pagar com a bilheteria do mercado internacional, que comprou com mais entusiasmo a complexa e intrigante trama de suspense urdida pelo diretor a partir de um roteiro de seu habitual colaborador John Hodge (indicado ao Oscar por "Trainspotting:sem limites") e Joe Ahearne. Um filme inteligente e que mergulha o espectador em um universo repleto de meias-verdades e pistas falsas, "Em transe" faz parte do seleto grupo de produções que se divertem em enganar a plateia ao conduzí-la por um caminho específico apenas para, em seu desfecho, revelar uma trama completamente diferente (e igualmente excitante).

Tudo começa como mais um "filme de roubo": em um leilão de obras de arte em um conceituado salão londrino, um grupo de homens armados e liderados pelo ameaçador Franck (Vincent Cassel herdando o papel de Michael Fassbender) tenta se apossar de um raro e famoso quadro de Goya, mas é impedido por um dos leiloeiros, o jovem Simon Newton (James McAvoy), que acaba atingido por uma forte pancada na cabeça que o deixa em coma. Percebendo que o rapaz escondeu a pintura em algum lugar desconhecido, o criminoso o espera deixar o hospital para obrigá-lo a revelar a localização da obra: o problema é que Simon não lembra de nada do que aconteceu no dia do assalto e, para salvar sua pele, concorda em tentar lembrar dos detalhes do caso através de hipnose. É assim que ele chega até Elizabeth Lamb (Rosario Dawson), especialista em ajudar pacientes a superar traumas e recuperar memórias perdidas. Quando médica e paciente se envolvem romanticamente, porém, as coisas saem do controle, e nada mais parece correr conforme o esperado.


Emoldurada pela fotografia instigante de Anthony Dod Mantle, que ajuda a confundir o público com suas elegantes distorções, a trama rocambolesca de "Em transe" viaja através de flashbacks que tanto podem ser verdadeiros quanto falsos, por lembranças escondidas ou plantadas, por relacionamentos sinceros ou interesseiros. A ambiguidade do roteiro - que ousa também por criar um herói falível, de caráter duvidoso e atitudes pouco exemplares - se estende também à criatividade da direção de Boyle, que simplesmente impede o espectador de antecipar as reviravoltas da história ou descobrir, antes dos minutos finais, quem realmente está do lado de quem. Para isso também contribui, e muito, a excelência de seu elenco: Vincent Cassel é insuperável na pele de tipos marginais e perigosos, e Rosario Dawson segura bem a oportunidade de ficar com um papel para o qual foram cotadas Scarlett Johansson, Eva Green e Zoe Saldana, uma mistura de inteligência e sensualidade que serve magistralmente à personagem. Mas é James McAvoy, com seu misto de pureza e coragem, o grande achado do filme.

Um dos atores mais talentosos de sua geração, McAvoy está perfeito como Simon Newton, um personagem que, apesar de servir como os olhos da plateia em uma narrativa recheada de surpresas e reviravoltas, também se permite cair em armadilhas e manipular as regras do jogo, quando necessário. Essa ambiguidade moral - que pode mostrar-se um defeito ou uma qualidade, conforme a trama vai se desenrolando - só é completamente verossímil e aceitável porque o ator transmite, em cada cena, uma variedade de sentimentos e emoções de que somente os grandes intérpretes são capazes. Revelado em dramas densos e potentes, como "O último rei da Escócia" (2006) e "Desejo e reparação" (2007) e posteriormente se provando capaz de sair-se muito bem em produções com intenções bem mais comerciais, a exemplo de "O procurado" (2008) e "X-Men: Primeira Classe" (2011), McAvoy é o protagonista ideal para um filme que equilibra com tanta propriedade a seriedade de um suspense e toques de puro escapismo de uma produção de ação como "Em transe". É ele, com seus angustiados olhos azuis, a alma de uma pequena pérola que merece ser descoberta pelos fãs do gênero - e que confirma Danny Boyle como um diretor nem um pouco disposto a deitar sobre as próprias láureas.

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