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AS AMIZADES PARTICULARES

AS AMIZADES PARTICULARES (Les amitiés particulières, 1964, Lux Compagnie Cinématographique de France, 100min) Direção: Jean Delannoy. Roteiro: Jean Aurenche, Pierre Boste, romance de Roger Peyerefitte. Fotografia: Christian Matras. Montagem: Louisette Hautecoeur. Música: Jean Prodromidès. Direção de arte: René Renoux. Produção: Christine Gouze-Rénal. Elenco: Francis Lacombrade, Didier Haudepin, François Leccia, Dominique Maurin. Estreia: 04/9/64

Logo depois da II Guerra Mundial, o adolescente Georges de Sarre é matriculado em uma escola católica exclusiva para meninos, e logo que chega faz amizade com outro rapaz, Lucien Rouvére. Tal amizade não é vista com bons olhos por um dos professores, e não demora muito para que Georges saiba o porquê: desafiando os regulamentos da escola, Lucien mantém uma amizade íntima com outro colega. Depois da expulsão de seu primeiro amigo (causada por ele mesmo, em um acesso de ciúmes), o novo aluno se descobre atraído pelo ousado Alexandre Motier, de apenas doze anos de idade. O relacionamento passa a tornar-se a cada dia mais e mais ardoroso, com troca de cartas, encontros furtivos e suspiros apaixonados. A maior ameaça a tal idílio surge na figura do Padre Lanzon - cujos motivos de tentar impedir algo mais sério entre os rapazes são bem menos nobres do que se poderia esperar de um religioso. O padre, amigo da família de Alexandre, interfere na relação e conduz a todos em direção a uma tragédia anunciada.

Fosse feito hoje em dia, o filme "As amizades particulares" seria, certamente, alvo de histeria generalizada. Não só porque trata de um romance adolescente abertamente homossexual - um tema que de certa forma não agride mais ninguém - mas por inserir, em sua narrativa (poética e fluida), uma visão nítida a respeito de um assunto que ainda incomoda até ao mais renitente liberal: a pedofilia. Se o romance entre Georges e Alexandre já parece um tanto perturbador - erro de uma escalação de elenco que coloca Francis Lacombrade, aos 22 anos de idade, envolvido com Didier Haudepin, de apenas treze - a cobiça dos padres locais pelos alunos torna o filme de Jean Dellanoy ao mesmo tempo atemporal e capaz de despertar discussões acaloradas. Realizado em 1964 e baseado em um romance autobiográfico de Roger Peyrefitte lançado em 1943, o filme ao mesmo tempo encanta e incomoda ao naturalizar sem julgamentos uma relação bastante problemática. Ao preferir o romance mais lírico em detrimento do sexual, o roteiro de Jean Aurenche e Pierre Boste desvia da polêmica que cenas mais ousadas poderiam despertar e sublinha o encantamento dos personagens, acenando, assim, a uma história com mais coração do que carne, mais platônica do que sensual. Isso basta para afastar o filme de uma generalização fácil.


Concorrente do Leão de Ouro do Festival de Veneza de 1964, "As amizades particulares" não foi exatamente um sucesso incontestável de crítica. François Truffaut, um dos maiores cineastas de França, aproveitou seu prestígio para apontar um excesso de formalidade na obra de Dellanoy. Completamente errado o diretor de "Os incompreendidos" (1959) não estava: realmente existe, em "As amizades particulares", uma narrativa bem-comportada e acadêmica, que batia de frente com a então aclamada nouvelle vague. Porém, longe de tornar seu filme pouco atraente àqueles que festejavam as inovações do novo cinema francês, essa linearidade formal demonstrava que, apesar das modernidades apresentadas por Truffaut e companhia., ainda havia espaço para histórias contadas da maneira tradicional. Com o uso discreto da trilha sonora e uma bela fotografia em preto-e-branco, "As amizades particulares" cativa o espectador justamente por sua aparente simplicidade: não há necessidade de grandes reviravoltas dramáticas ou apelos sentimentais na trama criada por Peyerefitte: seus personagens soam reais o bastante para que a história transcorra de forma crível, apesar do elenco. A opção de colocar Francis Lacombrade como o protagonista Georges de Sarre não deixa de ser um equívoco: aos 22 anos de idade, ele claramente não parece um adolescente de 14, e sua interação com Didier Hauperin, com 13 anos que aparentam menos, soa desconfortável para que o espectador torça a favor do romance. Como está, Georges parece tão pedófilo quanto o padre obrigado a abandonar a escola devido a reuniões com alguns alunos, regadas a cigarro e bebidas.

Incômodos à parte, "As amizades particulares" é um belo filme. Sensível e dirigido com delicadeza, aproveita o material original para narrar uma história de amor e melancolia sem buscar a lágrima fácil. Em seu elenco destaca-se o jovem Didier Hauperin, que, com sua inocência e aparência de criança, rompe o previsível e assume os riscos de um papel difícil com uma segurança de veterano. Suas sequências finais são de uma tristeza quase palpável - cortesia de seu talento e da inteligência de Jean Dellanoy ao encerrar sua história com um desfecho de deixar o público com um nó na garganta. Pode até não agradar a um público mais conservador, mas em relação a dezenas de outros filmes com a mesma temática, se sobressai e assume importância crucial para a história do gênero.

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