quarta-feira

FILHOS DA GUERRA

FILHOS DA GUERRA (Europa, Europa, 1990, Bayerischer Rundfunk/Filmforderungsantalt, 112min) Direção: Agnieszka Holland. Roteiro: Agnieszka Holland, livro de Salomon Perel. Fotografia: Jacek Petrycki. Montagem: Ewa Smal, Isabelle Lorente. Música: Zbigniew Priesner. Figurino: Wieslawa Starska, Malgorzata Stefaniek. Direção de arte/cenários: Allan Starski/Ewa Braun, Anna Kowarska. Produção: Artur Brauner, Margaret Ménégoz. Elenco: Marco Hofschneider, Julie Delpy, Hanns Zischler, André Wilms, Ashley Wanninger. Estreia: 14/11/90

Indicado ao Oscar de Roteiro Adaptado
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme Estrangeiro 

Em algumas ocasiões, por mais qualidades que um filme tenha, são situações alheias a ela que acabam por ficar marcadas em sua trajetória. É o caso de "Filhos da guerra", uma produção alemã dirigida pela polonesa Agniezska Holland que enfrentou o descaso das autoridades germânicas em seu lançamento e acabou não apenas por tornar-se uma das maiores bilheterias de filmes internacionais nos EUA, mas também por arrebatar uma série de prêmios da crítica - incluindo o Golden Globe de melhor filme estrangeiro e uma indicação ao Oscar de roteiro adaptado. Elogiado por onde passou e com respeitáveis 3,5 milhões de dólares de renda no mercado norte-americano - normalmente hermético a filmes legendados -, "Filhos da guerra" volta seu olhar a uma inacreditável história real ocorrida em meio à II Guerra Mundial, e trata, com sensibilidade, a capacidade humana de adaptar-se a situações adversas quando confrontado com a possibilidade da morte.


Com base no livro autobiográfico de Salomon Perel, o roteiro, escrito pela diretora, atravessa o período entre 1938 e 1945, quando seu protagonista, ainda adolescente, se vê diante dos horrores da II Guerra Mundial. Filho de judeus poloneses, ele e seu irmão mais velho saem da Alemanha temendo os horrores do antissemitismo, mas acabam separados no caminho rumo à Rússia. Sozinho e torturado pelas lembranças da invasão de seu apartamento, Salomon é internado em um orfanato comunista, onde torna-se parte de uma doutrina que acredita que "religião é o ópio do povo". Em seguida, confundido com um nazista, aceita se passar por ariano e torna-se parte do exército, como intérprete. Sempre à beira do pânico de ser descoberto, Salomon esconde sua circuncisão a todo preço - mesmo quando é assediado por um superior e se apaixona por Leni (Julie Delpy), uma jovem alemã com quem ele evita intimidades sexuais.


Vencedor de melhor filme estrangeiro pelos críticos de Kansas, Los Angeles e Nova York e pelo National Board of Review (que também o incluiu em sua lista dos de melhores do ano), "Filhos da guerra" segue o caminho inverso da maioria dos filmes do gênero, ao concentrar-se mais nos bastidores do conflito entre judeus e nazistas do que às batalhas em si. Mesmo as cenas mais violentas acontecem sob o ponto de vista do protagonista, interpretado pelo competente (mas nunca excelente) Marco Hofschneider. O foco do roteiro de Holland são as relações de Salomon com as situações que se apresentam e a forma com que ele lida com elas: ao moldar-se a cada uma, o personagem vai perdendo a própria identidade, ainda que ela nunca seja esquecida. O filme se utiliza da circuncisão do jovem como ponto de retorno a suas origens, como algo que ele não consegue esconder sem muita dor e sofrimento - e que pode afastá-lo de uma vida plena e sincera. Suas tentativas de sobreviver à perseguição aos judeus são cercadas de paranoia, desconfiança e uma constante sensação de não pertencimento, tudo conduzido com extrema sensibilidade pela cineasta que se tornaria famosa pela direção de uma nova versão do clássico "O jardim secreto" (lançada em 1993) e pelo irregular "Eclipse de uma paixão" (1995), estrelado pelo então ascendente Leonardo DiCaprio.

É fácil compreender o sucesso de "Filhos da guerra", tanto em termos comerciais quanto de crítica. Além do assunto ser caro às plateias, a direção de Agnieszka Holland insiste em um registro universal, questionando até que ponto uma pessoa é capaz de ir para garantir a própria sobrevivência. Ainda que soe um tanto superficial em vários momentos - opção da diretora em deixar a violência apenas como pano de fundo -, o filme conquista principalmente devido à atuação de Hofschneider, cujo carisma compensa a inexperiência. Seu olhar desesperado quando posto diante de situações diz muito mais do que diálogos longos, e Holland explora ao máximo a sutileza, como que a sublinhar a delicadeza ainda viva dentro do rapaz mesmo depois de tanta desgraça. Seu final abrupto pode incomodar, mas no balanço final, "Filhos da guerra" é um filme de suma importância, apesar das palavras do governo alemão, que recusou-se a inscrevê-lo para uma disputa no Oscar porque "não representava mais a nação germânica". Haja visto o enorme êxito do filme junto aos críticos - e ao extremo interesse da Academia em seu fundo histórico - pode-se apenas lamentar a visão de pouco alcance das autoridades locais, que traduziu a pouca bilheteria do filme na Alemanha em rejeição absoluta. Sorte das plateias que desafiaram sua percepção e encontraram um filme delicado e emocionante.

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