sexta-feira

ECLIPSE DE UMA PAIXÃO

ECLIPSE DE UMA PAIXÃO (Total eclipse, 1995, FIT Productions/Portman Productions, 111min) Direção: Agnieszka Holland. Roteiro: Christopher Hampton. Fotografia: Yorgos Arvanitis. Montagem: Isabel Lorente. Música: Jan A.P. Kaczmarek. Figurino: Pierre-Yves Gayraud. Direção de arte/cenários: Dan Weil/Françoise Benoit-Fresco. Produção executiva: Staffan Ahrenberg, Jean-Yves Asselin, Pascale Faubert. Produção: Jean-Pierre Ramsay Levi. Elenco: Leonardo DiCaprio, David Thewlis, Romane Bohringer, Dominique Blanc. Estreia: 03/11/95

No final de 1995, o muito jovem Leonardo DiCaprio já havia sido indicado ao Oscar de coadjuvante por "Gilbert Grape - aprendiz de sonhador" (1993) e caminhava para tornar-se o galã da vez do público adolescente, graças ao sucesso de "Romeu + Julieta" (1996) e principalmente "Titanic" (1997). Antes, porém, de ser rotulado como o melhor ator de sua geração (a despeito da febre que se tornou sua presença), ele parecia já saber que uma das maiores qualidades de um artista é a coragem para embarcar em projetos considerados "perigosos". Sem desconfiar que sua imagem estava em vias de decorar as paredes juvenis do mundo inteiro, ele apostou em uma produção polêmica que dificilmente seria a escolha de atores menos autoconfiantes. Em "Eclipse de uma paixão", dirigido pela polonesa Agniesza Holland, ele viveu um dos mais viscerais poetas da história, o francês Arthur Rimbaud. Assim como ídolos do rock, Rimbaud tinha um comportamento selvagem e iconoclasta, misturava álcool e drogas enquanto produzia sua obra e, talvez o fator mais polêmico para uma plateia conservadora, mergulhava em um romance homossexual obsessivo com Paul Verlaine, outro poeta célebre, mais velho, casado e esperando o primeiro filho.

O papel de Rimbaud - complexo e pouco simpático - teria sido de River Phoenix, caso o jovem astro em ascensão não tivesse morrido precocemente em outubro de 1993. Assim como Phoenix, DiCaprio também já se caracterizava por buscar desafios e desafiar a trajetória que se esperava de um ator com pretensões de estrelato. Enquanto os atores em começo de carreira fugiam como o diabo da cruz de papéis de gays, DiCaprio enfrentou o desafio com um personagem que, não bastasse ser homossexual - um perigo para a carreira de qualquer um -, ainda era egoísta, pouco afeito a regras de convivência social e rebelde como qualquer astro de rock seria mais de um século depois. Fugindo do arquetípico gay de Hollywood - doce, afável e frequentemente servindo de alívio cômico -, Rimbaud já seria um desafio suficiente para um ator experiente: nas mãos de DiCaprio, já um bom ator mas ainda precisando ser lapidado pelo tempo, o personagem soa muitas vezes desagradável e arrogante. Ou seja, tinha todas as características que atormentavam qualquer ator que prezasse por seus cachês milionários. Corajoso, DiCaprio já fazia antever o excelente ator que se tornaria com a idade, mas, vez ou outra, apresenta uma atuação um tanto exagerada. Culpa dele, do personagem excêntrico ou da direção?


Agnieszka Holland entende de polêmicas. Em 1990 ela lançou o controverso "Filhos da guerra" e foi rechaçada pelo governo e pela mídia alemãs, que não gostaram de ver na tela uma história que o país preferiria esquecer (o filme falava sobre um jovem germânico se fazendo passar por judeu na II Guerra Mundial). Quem assistiu ao filme - e foram muitos espectadores, uma vez que ele tornou-se um grande sucesso de bilheteria nos EUA e foi premiado com o Golden Globe de melhor produção estrangeira - pode perceber a sensibilidade da cineasta em tocar em assuntos delicados. Algo em "Eclipse de uma paixão", porém, não deu assim tão certo. Mesmo com um roteirista competente - Christopher Hampton, oscarizado por "Ligações perigosas", de 1988 - e atores talentosos, seu filme falha em conquistar o espectador. Com protagonistas francamente desagradáveis (Rimbaud é retratado como um moleque irascível e Verlaine como um homem capaz de espancar a esposa grávida) e pouca atenção dada a seus poemas, o filme parece estar mais interessado no romance gay do que no talento dos dois poetas. O roteiro de Hampton, inclusive, aposta mais na obsessão entre os dois do que em qualquer outro aspecto possível. Cabe então a DiCaprio e Thewlis (substituindo John Malkovich, o primeiro a ser cogitado para o papel) minimizar os estragos, mas nem mesmo eles conseguem deixar seus personagens menos desprezíveis.

"Eclipse de uma paixão" se passa na Paris do século XIX: o renomado poeta Paul Verlaine convida o talentoso e iniciante Arthur Rimbaud para passar uma temporada em sua casa, junto a ele e sua esposa, Mathildte (Romane Bohring), grávida do primeiro filho do casal. Encantado com o trabalho do jovem escritor, Verlaine logo se vê atraído por um novo estilo de vida, boêmia e irresponsável. Ao lado de Rimbaud, ele passa a frequentar a noite parisiense e mergulha no alcoolismo, para angústia de Mathiltde. As coisas ficam ainda piores quando mentor e aprendiz transformam a amizade em romance: obcecado pela jovialidade e coragem de Rimbaud, Verlaine arrisca o casamento, a carreira e o renome para assumir uma história não apenas de amor, mas também de dor e violência. Ao enfatizar os atos inconsequentes de seus personagens, o roteiro simplesmente deixa de lado o que talvez seja o mais importante: cadê a poesia de Rimbaud e Verlaine? Por mais que seja atraente viajar pelos bastidores da criação literária dos dois protagonistas, há um vácuo imperdoável quando o espectador acaba a sessão sabendo mais sobre suas vidas pessoais do que sobre sua importância para a poesia francesa e mundial. "Eclipse de uma paixão" é, portanto, bem mais sensacionalista do que informativo. Era de se esperar mais de todo o conjunto!

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