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UM CONTRATEMPO

UM CONTRATEMPO (Contratiempo, 2016, Atresmedia Cine/Think Studio/Nostromo Pictures, 106min) Direção e roteiro: Oriol Paulo. Fotografia: Xavi Giménez. Montagem: Jaume Martí. Música: Fernando Velázquez. Figurino: Miguel Cervera. Direção de arte/cenários: Balter Gallart/Marta Bazaco, Idoia Esteban. Produção executiva: Sofia Fábregas, Joaquim Guedes. Produção: Mercedes Gamero, Adrián Guerra, Sandra Hermida, Mikel Lejarza, Eneko Lizagarra, Núria Valls. Elenco: Mario Casas, Ana Wagner, José Coronado, Bárbara Lennie, Francesc Orella. Estreia: 23/9/16

Nem só de Pedro Almodóvar vive o cinema espanhol contemporâneo. Não tão festejado quanto o veterano diretor, mas com grande prestígio junto ao público, Oriol Paulo tem se firmado como um dos mais interessantes realizadores do país, com filmes de suspense que mexem com a cabeça do espectador graças a roteiros engenhosos e uma evidente segurança na direção. Seu primeiro longa-metragem, "O corpo", foi lançado em 2012 e de cara conquistou as plateias. Sua segunda incursão na cadeira de diretor só chegou aos cinemas quatro anos mais tarde, mas a demora valeu a espera: "Um contratempo", assim como seu filme de estreia, é um quebra-cabeças empolgante, que apresenta à audiência uma trama intrigante e que só se revela completamente nos minutos finais - e que, apesar de surpreendente, é verossímil o bastante para deixar em cada espectador um sorriso de satisfação e a vontade de compartilhar a experiência com o maior número possível de pessoas.

É essencial, para melhor tirar proveito de "Um contratempo", que se saiba o menos possível de sua trama. Basta saber que ela gira em torno de Adrián Doria (Mario Casas), um empresário em ascensão que está em vias de ser julgado pelo assassinato de sua amante, Laura Vidal (Bárbara Lennie), vítima de um ataque violento em um quarto de hotel, onde estava hospedada junto com ele. Segundo Adrián, ele também foi vítima do assassino, mas não presenciou o crime por estar desmaiado. Para seu azar, a polícia havia descoberto que a porta do quarto e suas janelas estavam fechados no momento do homicídio, o que coloca todas as suspeitas em Adrián, que jura terminantemente que é inocente. Para salvá-lo da cadeia, só mesmo um defensor de primeira linha, e é aí que surge Virginia Goodman (Ana Wagner), uma sofisticada e inteligentíssima advogada criminalista que, nas poucas horas que existem até o depoimento de uma testemunha-chave. Exigente e minuciosa, Virginia tenta arrancar a verdade de seu novo cliente, que mantém sua declaração de inocência. Ao narrar todo o caso para Virginia, porém, Adrián revela outras peças da história - como um acidente de carro que pode ser a chave do mistério.


De forma fascinante, Oriol Paulo constrói sua trama em uma estrutura das mais intrigantes. A cada novo elemento que surge diante do espectador, mais seu enredo parece fugir da simples questão que envolve a descoberta da verdade sobre a morte de Laura. O cinesta/roteirista brinca com a definição temporal e apresenta sua estória em diferentes linhas: enquanto no presente Adrián conta seus passos para sua nova advogada, o passado surge em flashbacks que aumentam as possibilidades de desfecho. Controlando o suspense com extrema habilidade, Paulo joga limpo, mostrando suas cartas ao pouco, mas sem surgir com uma reviravolta completamente absurda: a verdade está praticamente diante dos olhos do público - mas somente em seu final empolgante se revela completamente. Para isso, colabora a trilha sonora de Fernando Velázquez e a edição caprichada de Jaume Martí, que exploram todas as nuances da trama e dos personagens, vividos, por sua vez, por um elenco impecável, em que se destacam Mario Casas e Bárbara Lennie em um duelo verbal dos mais inteligentes. Casas, principalmente, entrega uma atuação que combina vulnerabilidade, empáfia, tensão e medo em uma perfeita equação; Lennie, por sua vez, tem controle total de sua personagem, em um trabalho meticuloso de corpo e voz que se avoluma até o final surpreendente.

"Um contratempo" - que ganhou um remake indiano em 2019 com o nome de "Badla" (vingança) - é um filme de suspense policial capaz de agradar a todos os tipos de público, mas certamente soa muito apaixonante aos fãs do gênero. Sem efeitos visuais, tiros ou explosões, é um filme que exige atenção do espectador, mas jamais tenta ser mais do que entretenimento de qualidade. Menos aclamado que Almodóvar - um cineasta já aclamado por um tipo de filme completamente distinto -, Oriol Paulo tem tudo para crescer ainda mais e conquistar seu lugar junto à crítica e às plateias. Seu estilo já demonstrado em filmes anteriores e posteriores a "Um contratempo" comprova, sem espaço para dúvidas, que talento e inteligência não lhe faltam. Naturalmente abraçando um gênero considerado menor - ou pelo menos não tão aplaudido quanto o drama -, ele assume sua paixão em contar histórias imprevisíveis com personagens realistas e falhos. É um diretor para se ficar de olho!

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