segunda-feira

INFÂMIA


INFÂMIA (The children's hour, 1961, United Artists, 107min) Direção: William Wyler. Roteiro: John Michael Hayes, baseado na peça teatral de Lillian Hellman. Fotografia: Franz F. Planer. Montagem: Robert Swink. Música: Alex North. Produção: William Wyler. Elenco: Audrey Hepburn, Shirley MacLaine, James Garner, Fay Bainter, Miriam Hopkins, Karen Balkin, Veronica Cartwright. Estreia: 19/12/61

5 indicações ao Oscar: Atriz Coadjuvante (Fay Bainter), Fotografia P&B, Figurino, Direção de Arte, Som

Aqueles que acham que o mal escondido na infância tem em Macaulay Culkin em "O anjo malvado" seu maior representante - sem mencionar Demian e afins por razões óbvias - merece conhecer Mary Tilford, interpretada pela jovem Karen Balkin em "Infâmia". Tudo bem que a personagem de Culkin chega ao extremo do homicídio, mas o filme de Joseph Reuben é tão perto da realidade quanto os brasileiros representados em filmes de Hollywood. Em "Infâmia", pelo contrário, a maldade da personagem infantil é mais sutil, mas nem por isso menos perniciosa e destruidora. Um filme sobre os efeitos da mentira, "Infâmia" é uma obra-prima do drama psicológico, dirigida com maestria por William Wyler e estrelado pelas excepcionais Audrey Hepburn e Shirley MacLaine.

Depois de ganhar o Oscar de diretor por "Ben-hur" (assim como outras 10 estatuetas), Wyler estava em alta em Hollywood e não deixa de ser uma prova de sua coragem a opção por refilmar "Infâmia", que ele mesmo havia dirigido em 1936, com Merle Oberon e Miriam Hopkins nos papéis principais. Coragem porque, mesmo no início dos anos 60, um dos assuntos discutidos no roteiro não era exatamente palatável ao público médio nem tampouco agradava o Código de Censura que regia a produção cinematográfica: lesbianismo.

A peça "Infâmia" (cujo título original, bem menos sensacionalista, "The children's hour" saiu de uma poesia de Henry Wadsworth Longfellow) foi escrita por Lillian Hellman em 1934. Hellman (aquela mesma escritora e dramaturga que foi casada com Dashiel Hammett e interpretada por Jane Fonda no filme "Julia", de 1977) também roteirizou a primeira versão do filme, excluindo as menções à sexualidade das personagens, mas não ficou particularmente chateada por entender que o cerne da peça mantinha-se intacto. Não estava de toda errada, uma vez que são as consequências de uma falsa acusação que são o ponto principal do enredo, mas é pouco provável que a versão original seja tão forte e contundente quanto sua refilmagem.

Para o filme de 1961, Wyler contou com um roteiro de John Michael Hayes (que escreveu alguns dos melhores Hitchcock dos anos 50, "Janela indiscreta" entre eles). Sem medo de qualquer censura, Hayes não disfarçou o tom pessimista do trabalho de Hellman nem usou de subterfúgios para contar a trágica história de duas mulheres que tem suas vidas transformadas (para pior) devido a uma mentira contada de forma inconsequente.

Karen Wright (Hepburn, em seu último filme em preto-e-branco) e Martha Dobie (MacLaine, em extraordinária atuação) são amigas íntimas desde os 17 anos, e dividem a direção de uma escola para meninas localizada na Nova Inglaterra. Tentando dar a melhor educação possível a suas alunas, elas frequentemente entram em rota de colisão com a rebelde Mary Tilford (Karen Balkin), uma garota mimada, intransigente e de caráter duvidoso. Para vingar-se das professoras, que a haviam deixado de castigo, ela conta à sua avó milionária, Amelia Tilford (Fay Bainter) que testemunhou atos estranhos entre as duas, deixando bem claro para a velha senhora que existe um relacionamento amoroso entre elas. Chocada, Amelia - cujo sobrinho, o médico Joe Cardin (James Garner) é noivo de Karen - espalha a notícia e logo a escola está às moscas. Nem mesmo um julgamento por difamação consegue salvá-las da discriminação do povo da cidade, uma vez que não há testemunhas que possam desmentir a acusação da menina.


A força de "Infâmia" está principalmente em sua espinha dorsal: uma mentira que destrói inexoravelmente vidas inocentes. A acusação de Mary não apenas acaba com o sonho da escola, mas também abala o relacionamento de Karen e Joe e, pior ainda, suscita dúvidas cruéis na própria Martha, que se vê repentinamente frente a uma situação que tentava desesperadamente esconder. Quando a verdade finalmente vem à tona, tudo parece já estar destruído, sem chance de retorno: a sombra da dúvida e do escândalo sempre estará impedindo um futuro realmente luminoso e a tragédia que se anuncia na segunda metade do filme comprova de maneira dolorosa a potência destrutiva de uma calúnia.

Mas William Wyler não teria tido o mesmo sucesso em "Infâmia" se não fosse a certeira escalação de seu elenco. Apesar dos boatos que diziam que Doris Day havia sido sondada para viver uma das protagonistas (o que tornaria a polêmica ainda mais saborosa, haja visto a fama de moça de família de Day) não é fácil imaginar outras atrizes mais perfeitas para a dupla central. Audrey Hepburn, com seu jeitinho de mulher de classe, delicada, frágil é o contraponto exato à fortaleza que é Shirley MacLaine, em uma atuação que a distancia da sensível Fran Kubelik de "Se meu apartamento falasse", lançado um ano antes por Billy Wilder. Dona dos diálogos mais intensos do filme, MacLaine emociona, indigna e conquista com uma personagem dividida entre manter em segredo seus sentimentos e uma mulher apaixonada que explode quando não encontra mais meios de esconder-se. Não é à toa que é justamente Martha Dobie quem acaba se tornando a maior vítima da situação, por encontrar-se em um caminho sem volta em direção ao preconceito (vale lembrar que a peça foi escrita em 1934, muito antes que surgissem os movimentos gays organizados).

Não há como assistir-se a "Infâmia" e ficar incólume à sua mensagem. É impressionante a modernidade de sua narrativa, a delicadeza de sua direção e a intensidade de seu elenco. Tão atual hoje quanto há 50 anos, é um filme que merecia ser obrigatório em qualquer curso de ética e cidadania.

3 comentários:

Unknown disse...

Prezado
Boa noite!
Legal seu blog.
Abcs
Alexandre Taleb
Consultor de Imagem
Blog: http://ataleb.wordpress.com/

Alan Raspante disse...

Este é um filme que está na minha lista. Adoro Audrey e Shirley, sem contar nessa história polêmica ! =)

Anônimo disse...

Audrey é a maior atriz de todos os tempos.

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