terça-feira

CABO DO MEDO

CABO DO MEDO (Cape fear, 1991, Amblin Entertainment, 128min) Direção: Martin Scorsese. Roteiro: Wesley Strick, roteiro original de James E. Webb, romance de John D. MacDonald. Fotografia: Freddie Francis. Montagem: Thelma Schoonmaker. Figurino: Rita Ryack. Direção de arte/cenários: Henry Bumstead/Alan Hicks. Casting: Ellen Lewis. Produção executiva: Kathleen Kennedy, Frank Marshall. Produção: Barbara De Fina. Elenco: Robert DeNiro, Nick Nolte, Jessica Lange, Juliette Lewis, Joe Don Baker, Robert Mitchum, Gregory Peck, Martin Balsam, Ileana Douglas. Estreia: 13/11/91

2 indicações ao Oscar: Ator (Robert DeNiro), Atriz Coadjuvante (Juliette Lewis)

Martin Scorsese é o cara! Quando lança um projeto pessoal - como "Taxi driver", "Touro indomável" ou "Os bons companheiros" - se supera em técnica e paixão. E até mesmo quando trabalha praticamente sob encomenda, deixa no chinelo qualquer um que se considere cineasta. "Círculo do medo", realizado em 1962, e dirigido por J. Lee Thompson é um belo suspense. Mas empalidece consideravelmente em comparação à refilmagem comandada por Scorsese. "Cabo do medo", a reinvenção produzida pela Amblin Entertainment de Steven Spielberg, é uma das experiências mais angustiantes dos anos 90, amparada por um assustador Robert DeNiro.

Na verdade o próprio Spielberg é quem tinha interesse em refilmar "Círculo do medo" e, depois que ele deixou o filme de lado para realizar "Hook, a volta do Capitão Gancho", teve que praticamente implorar a Scorsese que comprasse a ideia. Contando com a valiosa ajuda de DeNiro, o diretor de "ET" finalmente foi feliz - mas só depois que o roteiro inicial de Wesley Strick sofreu profundas transformações. Nas mãos de Scorsese a banal luta entre advogado e cliente vingativo tornou-se um claustrofóbico embate entre dois homens dispostos a qualquer coisa para atingir seus objetivos. Com elementos novos adicionados à mistura - como sexualidade reprimida, adultério e uma personalidade bem menos unidimensional a seus protagonistas - o filme tornou-se a maior bilheteria da carreira do cineasta até "Os infiltrados", de 2006.

Quando "Cabo do medo" começa, Max Cady (Robert DeNiro, indicado a mais um Oscar por uma atuação apavorante) está saindo da cadeia, depois de passar 14 anos preso por estupro. Analfabeto à época de sua condenação, o violento agressor utilizou seu período de condenação para aprender a ler e estudar, descobrindo, nesse meio-tempo, que seu advogado de defesa, Sam Bowden (Nick Nolte em papel oferecido a Harrison Ford e Robert Redford) escondeu documentos que poderiam ter lhe amenizado o veredicto - ou até mesmo absolvê-lo. No momento de sua libertação, então, só o que lhe passa pela doentia mente é vingar-se de Bowden e, para isso, ele inicia um processo de violência psicológica contra ele e sua família, formada pela esposa, Leigh (Jessica Lange) e pela filha adolescente Danielle (Juliette Lewis). Passando por uma crise - despertada pela infidelidade conjugal de Sam - a estrutura familiar aparentemente sólida começa a ruir diante da fúria de Cady, que não mede esforços em direção a realizar sua missão.

A diferença entre "Cabo do medo" e dezenas de outros suspenses que fazem a festa dos programadores dos sábados televisivos é justamente o comando certeiro de Martin Scorsese. Dono de uma sensibilidade ímpar e de uma inteligência acima da média - além de uma cultura cinematográfica de cair o queixo - Scorsese imprime em seu filme uma personalidade inconfundível. Além de assustar o espectador em diversos momentos - afinal, um filme de suspense pede por isso - ele acrescenta à história uma densidade quase palpável. A trilha sonora tonitruante de Elmer Bernstein - que utiliza trechos da obra que Bernard Herrmann criou para o filme original - é tensa, forte e marcante, surgindo sempre como uma ameaça, um comentário ou um aviso de que Max Cady, com todo o seu ódio, está à espreita. A fotografia quente de Freddie Francis localiza com perfeição a trama no sul dos EUA - um lugar onde o medo já é costume, como bem diz uma personagem acostumada a sua terra natal. E o fato da família Bowden dessa nova versão não compartilhar da mesma felicidade de margarina do primeiro filme proporciona ao espetáculo um senso de realidade e modernidade que, ao contrário de distorcer a ideia inicial do romance de John D. MacDonald, apenas colabora em lhe dar mais profundidade.


E a profundidade do roteiro de Strick encontra no elenco escolhido por Scorsese um amparo espetacular. Enquanto DeNiro dispensa qualquer tipo de comentário, com uma atuação que supera qualquer expectativa - apesar de algumas críticas terem-no considerado um pouco exagerado. Nick Nolte transmite a angústia e a perplexidade de Sam Bowden com a segurança que seus vários anos de carreira lhe garantem e Jessica Lange vive uma Leigh equilibrada entre a fragilidade feminina e a força absoluta da maternidade. Gregory Peck e Robert Mitchum, atores da primeira versão do filme, participam em pequenas cenas, em uma homenagem carinhosa dos produtores. Mas é Juliette Lewis quem se destaca mesmo diante de seus consagrados colegas de cena. Indicada ao Oscar de coadjuvante aos 17 anos, ela abiscoitou o papel para o qual foram testados nomes como Reese Witherspoon, Jennifer Connelly e Winona Ryder e se revelou uma das grandes promessas do início da década de 90. A cena em que sua Danielle Bowden é praticamente seduzida por Cady em um cenário de peça de teatro infantil é um primor de sutileza, tensão e erotismo, uma ambivalência que perpassa todo o filme.

"Cabo do medo" pode ser assistido como um filme de suspense dos bons - com uma força crescente a cada sequência. Mas psicologicamente ele vai anda mais longe, discorrendo, ainda que discretamente, sobre complexo de Édipo, taras sexuais, frustrações eróticas e o suave equilíbrio entre o certo e o errado. É uma experiência única, como somente um diretor do porte de Scorsese é capaz de proporcionar.

Um comentário:

renatocinema disse...

Foi o último grande vilão de De Niro....Impecável, assustador. O mal ao pé da letra.

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