quarta-feira

POUCAS E BOAS

POUCAS E BOAS (Sweet and lowdown, 1999, Sweetland Films, 95min) Direção e roteiro: Woody Allen. Fotografia: Fei Zhao. Montagem: Alisa Lepselter. Figurino: Laura Cunningham Bauer. Direção de arte/cenários: Santo Loquasto/Jessica Lanier. Produção executiva: J.E. Beaucaire. Produção: Jean Doumanian. Elenco: Sean Penn, Samantha Morton, Uma Thurman, Anthony LaPaglia. Estreia: 04/9/99

2 indicações ao Oscar: Ator (Sean Penn), Atriz Coadjuvante (Samantha Morton)

No livro "Conversas com Woody Allen" o cineasta nova-iorquino repete inúmeras vezes que fala pouquíssimo com os atores de seus filmes durante as filmagens, acreditando que, com o talento que eles acrescentam à obra, não é preciso dirigi-los, no sentido literal da palavra. Se tudo não passa de uma série crise de modéstia, é preciso então louvar a forma com que Sean Penn - talvez o melhor ator americano de sua geração - entregou-se de corpo e alma a seu trabalho em "Poucas e boas", um projeto de estimação do diretor que, mesmo não estando entre seus trabalhos mais populares é fascinante, inteligente e emocionante como suas obras-primas mais conhecidas.

Em uma atuação impecável que equilibra com precisão a insanidade e a insegurança próprias dos gênios, Penn vive Emmet Ray, um dos mais intensos e talentosos violinistas dos anos 30 (que fica atrás apenas de Django Reinhardt, a quem idolatra a ponto de desmaiar sempre que se vê frente a ele). Excêntrico, com conexões no submundo, portador de uma certa ingenuidade disfarçada de indiferença e mulherengo, Ray tem sua vida contada em forma de semi-documentário, sendo analisado e narrado por fãs de jazz como o próprio Woody Allen. A pegadinha é que Ray nunca existiu, sendo apenas fruto da imaginação do diretor/roteirista, fã confesso de Reinhardt e que sempre sonhou em criar um filme que recriasse a era de ouro do gênero musical, com seus principais ícones como protagonistas. Levando-se em conta de que seus filmes não são exatamente máquinas de fazer dinheiro, pode-se concluir que "Poucas e boas" é a versão econômica de sua ambição. E ainda assim é muito, muito bom.


O roteiro de Allen não segue o padrão de uma cinebiografia, mostrando uma infância complicada ou problemas da adolescência e juventude de seu protagonista. Ele prefere focar-se em um período específico da vida de Ray, cujo talento imenso não o impede de ser obrigado a tocar para públicos que não sabem reconhecer o tamanho de sua arte - mas ao mesmo tempo o aproxima da alta sociedade de sua época, em especial da escritora Blanche (Uma Thurman), que vê nele a inspiração para um novo livro e acaba se casando com ele, em um romance destinado a fracassar graças ao gênio do músico - e seu narcisismo flagrante. Seduzida pelo estilo de vida aparentemente fascinante do violinista (que tem por hábito dar tiros nos ratos que vivem no lixão e ver trens passando por ele), Blanche é o oposto de Hattie (Samantha Morton), uma jovem lavadeira muda que, apaixonada por Ray, sofre com sua incapacidade de amar.

Se a forma com que Allen conduz sua narrativa imprime um ritmo ágil e mágico à época em que se passa a história (bem reconstituída visualmente, graças à direção de arte, ao figurino e à fotografia em tons neutros), muito dos méritos de sua qualidade vem de dois de seus atores centrais. Enquanto Penn usa e abusa de seus dons histriônicos, chegando a tocar violão de verdade em várias cenas e saindo-se extremamente bem tanto em sequências de humor quanto nos momentos mais comoventes (em especial no terço final da projeção), a maior revelação é a novata Samantha Morton, que rouba a cena com a silenciosa Hattie, capaz de quebrar a barreira do coração de Ray sem dizer uma única palavra, em uma ironia mestra que acrescenta uma camada a mais de profundidade ao filme. Morton - criada no interior rural da Inglaterra e que nem sabia quem era Woody Allen quando foi fazer o teste para o filme - foi indicada ao Oscar de coadjuvante por seu desempenho, que lhe abriu as portas de Hollywood para outros trabalhos igualmente poderosos.

Um filme quase atípico na carreira de Woody Allen, "Poucas e boas" merecia uma recepção mais calorosa e justa. É comovente, é engraçado, é sutil e é inteligente. Se nada disso fosse o bastante, ainda tem Sean Penn, que transforma qualquer filme em uma obra imperdível.

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma grande obra prima do cinema, quando assisto até me esqueço que é o Sean Penn, de tão real que é sua atuação

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