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E AÍ, MEU IRMÃO, CADÊ VOCÊ?

E AÍ, MEU IRMÃO, CADÊ VOCÊ? (O brother where art thou?, 2000, Touchstone Pictures/Universal Pictures, 106min) Direção: Joel Coen. Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen, livro "A odisséia", de Homero. Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Roderick Jaynes, Tricia Cooke. Mùsica: T Bone Burnett. Figurino: Mary Zophres. Direção de arte/cenários: Dennis Gassner/Nancy Haigh. Produção executiva: Tim Bevan Eric Fellner. Produção: Ethan Coen. Elenco: George Clooney, John Turturro, Tim Blake Nelson, John Goodman, Holly Hunter, Charles Durning, Chris Thomas King. Estreia: 13/5/00 (Festival de Cannes)

2 indicações ao Oscar: Roteiro Adaptado, Fotografia
Vencedor do Golden Globe de Melhor Ator Comédia/Musical (George Clooney) 

Pergunta: que tipo de gente seria capaz de transmutar uma obra épica, respeitada e estudada como a "Odisseia", de Homero em uma comédia maluca, estrelada por três foragidos da polícia e ilustrada com o mais puro bluegrass (country de raiz)? Resposta: os irmãos Joel e Ethan Coen, que, desde sua estreia no cinema, com o noir "Gosto de sangue", de 1984, passaram a subverter os gêneros mais queridos de Hollywood com filmes de rara inteligência e humor negro. Consagrados pela Academia em 1997 pelo policial sangrento e cômico "Fargo" - vencedor dos Oscar de roteiro e atriz - os dois calaram a boca daqueles que pensavam que eles iriam moldar-se ao esquema do cinemão hollywoodiano: primeiro, lançaram a comédia "O grande Lebowski", estrelada por Jeff Bridges, que tinha como protagonista um usuário de maconha pra lá de sequelado. Depois, chamaram o galã George Clooney, o despiram de qualquer vaidade e lhe deram o papel mais bizarro de sua carreira em "E aí, meu irmão, cadê você?", uma adaptação nunca aquém de surreal da obra clássica de Homero. Resultado: as boas graças da crítica, um Golden Globe de melhor ator em comédia/musical e uma parceria que ainda hoje vem rendendo ótimos filmes.

Dotado de um até então desconhecido timing cômico, Clooney está à vontade como Ulysses Everett McGill, o líder de um trio de fugitivos de uma colônia penal agrícola no Mississipi dos anos 30. Com o objetivo de voltar para casa e para a esposa Penny (Holly Hunter) e recuperar o produto de um assalto a banco que o levou para a cadeia, ele e seus companheiros - Pete Hogwallop (John Turturro) e Delmar O'Donnell (Tim Blake Nelson) - iniciam uma longa jornada que os levará a cruzar o caminho com um série de personagens inacreditáveis. Desde Tommy Johnson (Chris Thomas King), um jovem músico negro que diz ter vendido a alma ao diabo para fazer sucesso profissionalmente até Pappy O'Daniel (Charles Durning), um candidato a governador pouco afeito à ética, todo tipo de gente e situações se interpõem entre ele e seu destino - até mesmo um grupo de integrantes da Ku Klux Kan e um trio de belas e sedutoras mulheres que não são exatamente o que parecem.


Brincando de substituir os elementos fantasiosos da obra de Homero por outros mais tradicionais - mas ainda assim surreais a ponto de não diluir o tom de humor de seu filme - o roteiro dos irmãos Coen acabou sendo indicado ao Oscar, assim como a fotografia amarelada de Roger Deakins, que reflete com exatidão o clima árido e seco do sul dos EUA, um cenário mais do que inspirado para as maluquices da dupla de cineastas, que transforma o pesadelo de Ulysses e seus companheiros em uma trajetória irresistível e surpreendente até mesmo para quem leu o material que lhe deu origem - grupo este que não inclui os diretores, que admitiram só conhecer a história graças ao inconsciente coletivo e a outras adaptações cinematográficas. O que no caso poderia ser um fator limitatório, porém, acabou sendo libertador: graças à falta de compromisso com a seriedade de Homero, os irmãos Coen parecem ter tirado o pé do freio no quesito humor, recheando seu filme com tiradas visuais das mais inspiradas de sua carreira e entregando ao público um trio de protagonistas deliciosamente abobalhados, capazes de arrancar risos até do mais sisudo espectador. Para quem tem alguma dúvida, basta esperar até o momento em que Ulysses assume os microfones em um evento popular e tenta reconquistar sua amada cantando com sua "banda". É cinema dos irmãos Coen em seu melhor, apresentando à plateia um George Clooney em dias de pura inspiração cômica.

Mas se Clooney está perfeito em sua versão de galã desajeitado, o mesmo pode ser dito do restante do elenco: John Turturro e Tim Blake Nelson estão sempre a ponto de roubar a cena com seus patéticos fugitivos e John Goodman tanto assusta quanto faz rir com seu vilão de tapa-olho, assim como Holly Hunter não precisa de muito tempo em cena para mostrar porque é uma das atrizes preferidas dos diretores. Parte de um conjunto vitorioso - que inclui com méritos a excepcional trilha sonora, que ganhou prêmios a rodo e vendeu inesperadamente - os atores dão a "E aí, meu irmão, cadê você?" (uma tradução um tanto estranha do título original, escrito em inglês arcaico) o molho especial que faz dele uma das comédias mais imaginativas e inteligentes surgidas no cinema americano tão desprovido de ousadia.

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