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O VERÃO DE SAM

O VERÃO DE SAM (The summer of Sam, 1999, 40 Acres & A Mule Filmworks/Touchstone Pictures, 142min) Direção: Spike Lee. Roteiro: Spike Lee, Victor Colicchio, Michael Imperioli. Fotografia: Ellen Kuras. Montagem: Barry Alexander Brown. Música: Terence Blanchard. Figurino: Ruth E. Carter. Direção de arte/cenários: Thérèse DePrez/Diane Lederman. Produção executiva: Jerri Carroll-Colicchio, Michael Imperioli. Produção: Jon Kilik, Spike Lee. Elenco: John Leguizamo, Mira Sorvino, Adrien Brody, Jennifer Esposito, Michael Rispoli, Bebe Neuwirth, Patti Lupone, Anthony LaPaglia, Ben Gazzarra, John Savage, Spike Lee. Estreia: 20/5/99 (Festival de Cannes)

A ideia inicial de Spike Lee era contar em forma de filme, uma das histórias mais apavorantes vivenciadas pelos moradores de Nova York na década de 70, quando um serial killer auto-intitulado "O Filho de Sam" usou de um revólver calibre 44 para matar seis pessoas e ferir outras sete, sempre à noite, entre agosto de 1976 e julho de 1977 - um dos mais quentes da história da cidade. A contrariedade dos familiares das vítimas, que não gostaram nem um pouco de ver o algoz de seus entes queridos transformado em possível heroi mudou a perspectiva do polêmico cineasta: a trama central então, mudou de foco, e apesar dos assassinatos terem importância fundamental em "O verão de Sam", são apenas o pano de fundo para um conto sobre preconceito, intolerância e medo. Candente e dotado de um ritmo ágil e angustiante, o filme é um dos melhores da carreira do diretor de "Faça a coisa certa" e "Malcolm X", valorizado pelo cuidado com a reconstituição de época e com um elenco de atores certos nos papéis corretos.

O protagonista de "O verão de Sam" é Vinny (o ótimo John Leguizamo, que improvisou boa parte de seus diálogos, com o incentivo do diretor), um cabeleireiro mulherengo que gasta suas noites dançando nas discotecas do Bronx ao lado da esposa, Dionna (Mira Sorvino) - e frequentemente transando com qualquer rabo-de-saia que passe à sua frente, não importa se é a sua chefe, Gloria (Bebe Neuwirth) ou a prima de sua mulher. Em uma dessas puladas de cerca, ele escapa de ser assassinado pelo Filho de Sam, um serial killer que vem apavorando a cidade de Nova York. Acreditando que sua sorte é um sinal de Deus para que mude de vida, ele resolve tentar ser o melhor marido possível, ao mesmo tempo em que Dionna, para mantê-lo a seu lado, passa a buscar formas diferentes de satisfazê-lo sexualmente. Nesse meio tempo, um dos policiais encarregados do caso, Lou Petrocelli (Anthony LaPaglia), criado no Bronx, pede ajuda ao mafioso local, Luigi (Ben Gazzarra), para que colabore nas investigações com seu vasto conhecimento do submundo do crime. Tal pedido acaba por envolver na história um grupo de moradores do bairro, que, preconceituosos e ignorantes, passam a perseguir a todos aqueles que julgam possíveis suspeitos. Um deles, o jovem Richie (Adrien Brody), acaba por se tornar o principal acusado, somente por vestir-se como punk, tocar rock em bares pouco recomendáveis e, vez ou outra, prostituir-se.


Costurando suas histórias com um ritmo cadenciado que jamais permite tempos mortos em sua narrativa, Spike Lee constrói um potente estudo sobre a culpa e o preconceito, jogando na mesma mistura uma sexualidade explosiva e marginal - com direito a cenas de orgias e diálogos repletos de palavrões - e uma violência tanto física quanto moral exasperantes. Enquanto o criminoso Filho de Sam se vê torturado pelas vozes em sua cabeça (que o impelem a matar), Richie é vítima de todos os tipos de preconceito, que surgem dentro de sua própria casa e se estendem pelas ruas de seu bairro. A forma como o roteiro trata Richie - um homem inocente destruído por suspeitas aleatórias - lembra os clássicos de Hitchcock, mas aquecidos a uma temperatura quase insuportável, refletida na fotografia quase em tom documental de Ellen Kuras e no desenho de som, que transforma a narrativa em um pesadelo kafkiano. Uma pena, porém, que Lee não tenha mantido a ousadia até o final, refreando a crueldade que poderia dar à mensagem do filme uma ênfase ainda mais contundente.

Afora esse pequeno senão, "O verão de Sam" tem de tudo para agradar a todos os paladares: é um filme policial competente - ainda que o roteiro não se detenha nas investigações em si -, é um drama romântico sensual, tem sequências musicais bem dirigidas (calma, nada de cantorias, apenas coreografias bem elaboradas ao som de música disco), um elenco bem dirigido e uma trilha sonora deliciosa com sucessos da década de 70 - ABBA, The Who, Thelma Huston. Nem mesmo sua longa duração - duas horas e meia - chega a ser um defeito, uma vez que a edição tem um invejável senso de ritmo e a história nunca deixa de ser interessante o bastante para manter a atenção da plateia. Um grande filme, que se apropria de uma das mais assustadoras lendas da crônica policial norte-americana para falar de pessoas comuns, vítimas da ignorância e do preconceito. Vale a pena assistir ou revisitar.

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