A CONDESSA DESCALÇA (The barefoot contessa, 1954, United Artists, 128min) Direção e roteiro: Joseph L. Mankiewicz. Fotografia: Jack Cardiff. Montagem: William Hornbeck. Música: Mario Nascimbene. Figurino: Fontana. Direção de arte: Arrigo Equini. Elenco: Humphrey Bogart, Ava Gardner, Edmond O'Brien, Marius Goring, Valentina Cortese, Rossano Brazzi. Estreia: 29/9/54
2 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Edmond O'Brien), Roteiro Original
Vencedor do Oscar de Ator Coadjuvante (Edmond O'Brien)
Vencedor do Golden Globe de Ator Coadjuvante (Edmond O'Brien)
Em 1950, o cineasta Joseph L. Mankiewicz realizou uma das mais fieis traduções dos bastidores do teatro, o inesquecível "A malvada". Quatro anos mais tarde, ele voltou suas lentes ferinas e envoltas em cinismo para o mundo do cinema, repleto de personagens cuja visão de mundo cruel e destrutiva combinava exatamente com a sua. Inspirado livremente em alguns fatos da vida da atriz Rita Hayworth - especialmente seu casamento com o príncipe Ali Khan - e em elementos óbvios da trajetória de sua estrela Ava Gardner, que já tinha então no currículo uma turbulenta história de amor com Frank Sinatra, o roteiro de "A condessa descalça" lançou um olhar bastante amargo ao que acontece por trás do glamour da sétima arte. Concorreu ao Oscar da categoria, mas perdeu para "Sindicato de ladrões", dirigido por Elia Kazan e que também não era exatamente o mais otimista dos filmes produzidos por Hollywood em sua época.
O filme começa com um funeral em um dia chuvoso. Como logo é informado, trata-se do enterro de Maria D'Amato (Ava Gardner), uma estrela de cinema que, com apenas três filmes, tornou-se uma das mais amadas atrizes do mundo. As circunstâncias de sua morte e sua caminhada até a fama é o que será mostrado a partir de então, através de diferentes pontos de vista que podem tanto confirmar algumas situações quanto contradizer outras. Não chega a ser radical como "Rashomon" (50), de Akira Kurosawa - que mostra o mesmíssimo fato contado de quatro maneiras opostas - nem tão revolucionário quanto "Cidadão Kane" (41), de Orson Welles - que brincava com as inúmeras perspectivas a respeito de seu protagonista sem nunca reiterar nenhuma delas. Mas serve para ilustrar com perfeição a complexidade de sua protagonista, uma mulher simples e de origem modesta que sobe com uma velocidade estonteante ao topo do sucesso apenas para descobrir que nem mesmo ela sabe exatamente o que deseja.
O principal narrador da história - e talvez o mais confiável, haja visto sua relação mais próxima com a protagonista - é o cineasta Harry Dawes (Humphrey Bogart em papel oferecido inicialmente a Marlon Brando). É ele quem oferecerá à plateia o retrato mais humano e menos egoísta de Maria Vargas, uma jovem dançarina de flamenco que, descoberta em um bar de segunda categoria em Madri, é levada imediatamente para Hollywood pelo ambicioso produtor Kirk Edwards (Warren Stevens), que a trata como simples mercadoria e com quem passa a ter uma relação de altos e baixos. Protegida por Dawes - diretor de seus três filmes - Maria assume um nome artístico e consegue transformar até mesmo difíceis situações familiares em marketing positivo, para alívio do relações públicas do estúdio, Oscar Muldoon (Edmond O'Brien, premiado com o Oscar de ator coadjuvante). Rebelde e dona de uma alegria de viver que contrasta com o ambiente normalmente asséptico e enfadonho das festas a que é obrigada a frequentar, Maria não consegue esconder uma carência afetiva imensa e a preferência por um estilo de vida menos engessado - o que inclui aí uma série de aventuras sexuais com homens mais próximos de sua real origem.
É essa carência, disfarçada por luxo e glamour, que empurra Maria para os braços de dois homens que irão ditar (ou ao menos tentar) as regras de sua vida. O primeiro é o milionário Alberto Bravano (Marius Goring), que não demora em mostrar sua real faceta violenta e mesquinha. O segundo é o conde italiano Vincenzo Torlato-Favrini (Rossano Brazzi), que lhe oferece um mundo de sonhos e a possibilidade de abandonar as telas e tornar-se membro da alta sociedade europeia. É a forma como esse aparente sonho se transforma em armadilha que encerra a trajetória de Maria, cuja morte, trágica e quase previsível diante dos fatos que se apresentam, encerra com amargura uma história de Cinderela sem final feliz. Sem medo de melindrar colegas ou ofender colaboradores, Mankiewicz pega ainda mais pesado do que em "A malvada", retratando o mundo do cinema como um lugar recheado de seres interesseiros e desprezíveis - é sintomático que apenas o diretor interpretado por Bogart, normalmente ligado a personagens menos afáveis, seja o único porto seguro de Maria: é como se o próprio cineasta estivesse apontando o dedo a seu universo, revelando ao espectador toda a falta de empatia e compaixão que o reveste. É contundente e melancólico, mas valorizado por um roteiro inteligente, uma direção discreta e uma estrela que, não à toa, foi chamada, um dia, de "o animal mais belo do mundo". "A condessa descalça" é o grande filme da carreira de Ava Gardner. E um dos (vários) grandes do diretor.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quinta-feira
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