terça-feira

A GRANDE ILUSÃO

A GRANDE ILUSÃO (All the king's men, 2006, Columbia Pictures, 128min) Direçao: Steven Zaillian. Roteiro: Steven Zaillian, romance de Robert Penn Warren. Fotografia: Pawel Edelman. Montagem: Wayne Wahrman. Música: James Horner. Figurino: Marit Allen. Direção de arte/cenários: Patrizia Von Brandenstein/Patricia Schneider. Produção executiva: James Carville, Andy Grosch, Michael Hausman, Ryan Kavanaugh, Todd Phillips, Andreas Schmid, David Thwaites. Produção: Ken Lemberger, Mike Medavoy, Arnold W. Messer, Steven Zaillian. Elenco: Sean Penn, Jude Law, Kate Winslet, Anthony Hopkins, Mark Ruffalo, Patricia Clarkson, James Gandolfini, Jackie Earle Haley, Kathy Baker, Talia Balsam, Tom McCarthy. Estreia: 10/9/06 (Festival de Toronto)

O remake de "A grande ilusão", cujo original de 1949 ganhou os Oscar de melhor filme, ator (Broderick Crawford) e atriz coadjuvante (Mercedes McCambridge), serviu para reiterar duas verdades absolutas em Hollywood: primeiro, que política é um assunto que definitivamente não atrai as plateias americanas que frequentam as salas de cinema; segundo, que nem mesmo uma seleção de atores do primeiríssimo escalão é capaz de fazer mágica quando há o desinteresse do público. Com um elenco estrelado, repleto de astros vencedores e indicados ao Oscar, o filme de Steven Zaillian - ele mesmo ganhador da estatueta pelo roteiro de "A lista de Schindler" (93) - fracassou homericamente nas bilheterias e não obteve apoio nem mesmo da crítica especializada, que praticamente ignorou sua estreia - um ano depois, aliás, da data inicialmente prevista para seu lançamento. Mas o que é mais chocante nessa história toda é que o filme, apesar de violentamente rechaçado, está muito longe de ser ruim ou medíocre: é um trabalho bastante interessante, valorizado por seus intérpretes e com uma trama de grande relevância política, especialmente nos dias que seguem.

Baseado não no filme de Robert Rossen, mas mais especificamente no romance que lhe deu origem - escrito por Robert Penn Warren e inspirado na trajetória do político Huey Long, que foi governador da Louisiana - "A grande ilusão" tem como protagonista o populista Willie Stark (Sean Penn, em grande performance), que se torna governador do estado depois de desmascarar os conchavos de políticos mais experientes que queriam usá-lo como joguete. Incensado pela população carente, que vê nele uma sinceridade que inexiste em outros candidatos, Stark vê sua ascensão incomodar as camadas mais importantes da região, homens de grande poder financeiro que se sentem ameaçados com as promessas e obras do novo líder. Embriagado pelo poder - que o faz trair sucessivamente a esposa, tanto com jovens artistas quanto com sua auxiliar de campanha, Sadie Burke (Patricia Clarkson) - Stark entra na mira de seus inimigos, que iniciam uma campanha pedindo seu impeachment. Abusando de métodos pouco ortodoxos, ele então pede ajuda ao jornalista Jack Burden (Jude Law), que o acompanha desde seus primeiros dias de vida pública, a tentar descobrir algum podre no passado de seu principal rival, o juiz Irwin (Anthony Hopkins) - que vem a ser, por coincidência, padrinho do jovem. Não bastasse tanta confusão, Burden testemunha a forma como Stark se deixa envolver pelo lado sujo do poder, o que inclui seu melhor amigo de juventude, Adam Stanton (Mark Ruffalo) e a irmã deste, seu grande amor Anne (Kate Winslet).


Apesar da profusão de personagens importantes - defendidos por atores nunca aquém de brilhantes - e da trama com mais de um foco de interesse, "A grande ilusão" não incorre no erro tão comum de confundir o espectador, com idas e vindas desnecessárias: sempre que faz uso de flashback, o roteiro de Zaillian o faz com inteligência e parcimônia, servindo-se dele para iluminar detalhes a respeito de seus protagonistas e explicar ao público os caminhos que os levaram até determinado ponto da narrativa. Vista sob a ótica de Jack Burden - um Jude Law injustamente esquecido pelas cerimônias de premiação - e, portanto, com um certo distanciamento que vai sumindo aos poucos, a história de Willie Stark não prescinde de tramoias, ameaças, chantagens e violência, mas, ao situar a trama na década de 50 (décadas antes da mídia imediatista dos dias atuais), o diretor/roteirista de certa forma justifica os atos quase desprezíveis de seu personagem central. É perceptível que, apesar dos erros cometidos por Stark em sua ascensão, há uma certa dose de simpatia por ele - talvez devido à atuação cheia de garra de Sean Penn, talvez devido à maneira brutal com que ele é desprezado pelos poderosos. Essa ambiguidade, bem retratada por Zaillian é outro ponto forte do filme, que jamais aponta uma verdade absoluta sobre Stark, oferecendo à plateia algo a refletir mesmo depois do fim da sessão.

Logicamente, o filme de Zaillian não é perfeito, e sua demora em engrenar é um de seus pecados - a primeira sequência, que mostra Stark, Burden e seu segurança/capanga (Jackie Earle Haley) em direção à residência de um de seus inimigos mais confunde do que intriga. A transformação de Stark também é um tanto problemática, uma vez que não fica muito claro ao espectador em que momento de sua trajetória ele se deixou seduzir pelo poder fácil e por suas vantagens - e qual o destino de sua esposa, a princípio importantíssima em suas decisões e repentinamente desaparecida da narrativa. Mas são defeitos pequenos diante de um filme forte, interessante e realizado perceptivelmente com esmero e dedicação - Sean Penn e Mark Ruffalo, por exemplo, são atores politicamente engajados, o que deve ter contribuído consideravelmente em suas decisões de participar do projeto. Uma pena que não encontrou sua audiência: "A grande ilusão" é um filme que merece ser descoberto.

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