segunda-feira

JULIETA

JULIETA (Julieta, 2016, El Deseo S/A, 99min) Direção: Pedro Almodóvar. Roteiro: Pedro Almodóvar, contos de Alice Munro. Fotografia: Jean Claude Carrieu. Montagem: José Salcedo. Música: Alberto Iglesias. Figurino: Sonia Grande. Direção de arte/cenários: Antxon Gómez/Federico G. Cambero. Produção: Agustin Almodóvar, Esther Garcia. Elenco: Emma Suárez, Adriana Ugarte, Daniel Grao, Inma Cuesta, Rossy de Palma, Dario Grandinetti, Michelle Jenner, Pilar Castro, Nathalia Poza, Susi Sánchez, Joaquín Notario, Priscilla Delgado. Estreia: 08/4/16

Depois de flertar com o suspense psicológico em "A pele que habito" (2011) e voltar às origens debochadas com "Os amantes passageiros" (2013), o cineasta espanhol Pedro Almodóvar estava devendo aos fãs um novo mergulho no denso universo feminino do melodrama - gênero que lhe proporcionou os maiores sucessos de crítica da carreira, como "Tudo sobre minha mãe" (99) e "Volver" (06), e do qual estava afastado desde "Abraços partidos" (09). Pois foi somente no Festival de Cannes de 2016 que ele presenteou o público com mais uma pequena obra de arte, um filme delicado e sensível sobre a alma humana e seus desvãos: inspirado em três contos da escritora canadense Alice Munro, "Julieta" saiu da Riviera Francesa sem nenhum prêmio, mas reconquistou o carinho da plateia graças à sua extrema delicadeza e força dramática. Ainda um exímio diretor e roteirista implacável, Almodóvar se debruça sobre a tristeza e a melancolia para contar as desventuras da personagem-título - interpretada com segurança por Emma Suárez e Adriana Ugarte - em meio a seus belíssimos enquadramentos e suas características cores vivas.

Renunciando totalmente ao humor podreira do início de sua carreira e que vez ou outra dava as caras em suas produções mais sérias, dessa vez Almodóvar resolveu apostar sem medo no drama explícito, sem espaço para respiros. Ainda mantém o flashback como peça fundamental de sua narrativa - algo que faz como poucos - e jamais abandona o cuidado extremo com o visual de suas cenas, valorizado pela fotografia de Jean Claude Carrieu, discreta o bastante para não chamar mais atenção do que a trama que se desenrola diante do espectador. O uso impactante do vermelho também continua parte indissociável de sua personalidade artística, bem como sua inacreditável capacidade de transformar o mais banal drama doméstico em um poderoso estudo sobre as emoções humanas. Amor, culpa, ciúme, inveja, solidão e desejo estão presentes em cada momento do filme, misturados pelas mãos mágicas do cineasta e interpretados por uma dupla de expressivas atrizes dividindo o papel central. Assim como todos os seus filmes anteriores, "Julieta" não é drama de uma única emoção - e Almodóvar faz com que o espectador sinta cada uma delas sem que para isso precise apelar para lágrimas e sorrisos fáceis.


A trama, aparentemente simples, começa quando Julieta (Emma Suárez), uma ex-professora de literatura grega em vias de deixar Madri com o namorado, o escultor Lorenzo (Dario Grandinetti, de "Fale com ela", também de Almodóvar), reencontra, na rua, a jovem Beatriz (Michelle Jenner), amiga de infância de sua única filha, Antía. O reencontro mexe profundamente com Julieta, que não vê nem tem notícias da filha há anos, desde que esta viajou para um retiro espiritual e nunca mais procurou a mãe. Desistindo de sair do país e voltando para o apartamento onde morava com a menina, Julieta entra em uma jornada através do tempo, relembrando sua história de amor e perda com Xoan (Daniel Grao), iniciada em uma viagem de trem e terminada tragicamente, de forma a deixar marcas indeléveis em sua alma. Dessas memórias - quando é interpretada por Adriana Ugarte - fazem parte outros personagens importantes, como a empregada doméstica Marian (Rossy de Palma, presença constante na obra do diretor) e a escultora Ava (Inma Cuesta), que, de um modo ou outro, são fundamentais no rumo dos acontecimentos.

Magistralmente executado - sem excessos e dotado de uma elegância quase inédita na carreira do cineasta - "Julieta" é um filme de notas menores, uma surpresa quando se trata do normalmente excêntrico Almodóvar. Apresentando emoções contidas e represadas, sua trama aposta no minimalismo, como refletindo o silêncio da protagonista diante de seu constante desespero. Ao fugir de sua zona de conforto e evitar catarses grandiosas, o diretor segue o caminho inverso de sua obra até aqui e surpreende positivamente, mostrando (mais uma vez) que, por trás do rebelde e escandaloso autor de "Mulheres à beira de um ataque de nervos" (88) existe um homem de sensibilidade rara quando se trata de conhecer a alma humana - em especial a feminina. Até mesmo o final - anti-climático para alguns, emocionante para outros - é quase uma antítese do Almodóvar histriônico ao que se está acostumado. E é sempre refrescante e empolgante perceber que um grande artista ainda tem o poder de se reinventar com tanta genialidade. Bravo, Almodóvar! Mais uma vez.

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