terça-feira

BONNIE & CLYDE, UMA RAJADA DE BALAS


BONNIE & CLYDE, UMA RAJADA DE BALAS (Bonnie & Clyde, 1967, Warner Bros, 112min) Direção: Arthur Penn. Roteiro: David Newman, Robert Benton. Fotografia: Burnett Guffey. Montagem: Dede Allen. Música: Charles Strouse. Figurino: Theadora Van Runkle. Direção de arte / Cenários: Dean Tavoularis / Raymond Paul. Produção: Warren Beatty. Elenco: Warren Beatty, Faye Dunaway, Gene Hackman, Michael J. Pollard, Estelle Parsons, Gene Wilder. Estreia: 04/8/67

10 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Arthur Penn), Ator (Warren Beatty), Atriz (Faye Dunaway), Ator Coadjuvante (Gene Hackman, Michael J. Pollard), Atriz Coadjuvante (Estelle Parsons), Roteiro Original, Fotografia, Figurino

Vencedor de 2 Oscar: Atriz Coadjuvante (Estelle Parsons), Fotografia


Segundo o sensacional livro "Como a geração sexo, drogas e rock'n'roll salvou Hollywood", de Peter Biskind (Editora Intrinseca), "Bonnie & Clyde, uma rajada de balas" foi o filme que marcou a ruptura entre a "velha" Hollywood, com seu sistema de estúdios, códigos de censura e classicismo exagerado e a "nova" Hollywood, onde os diretores virariam os astros - principalmente se tivessem o talento de "auteur" que a revista francesa "Cahièrs du Cinéma" já há algum tempo exaltava. Ainda segundo Biskin, foi graças à coragem do produtor Warren Beatty e do cineasta Arthur Penn que foram abertas as portas que deram entrada no mundo do cinema comercial, de nomes como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Hal Ashby, Steven Spielberg e Robert Altman. Só por isso "Bonnie & Clyde" já merecia figurar com honra em qualquer antologia sobre cinema. Mas se não bastasse essa sua importância histórica, o filme de Penn é um estupendo trabalho de direção e um dos melhores filmes de gângsters já produzidos nos EUA.

"Bonnie & Clyde" começa em 1931, quando o jovem Clyde Barrow (Warren Beatty, que assumiu o papel quando o cantor Bob Dylan não o aceitou) acaba de sair da prisão por assalto à mão armada. Ao tentar roubar um carro, ele conhece a bela Bonnie Parker (Faye Dunaway no auge da beleza), que trabalha tediosamente como garçonete mas deseja ardorosamente uma vida mais agitada. Logo que ela realmente acredita que o rapaz diz ser o que é, ela resolve juntar-se a ele, e o casal passa a roubar bancos. No meio do caminho junta-se a eles o jovem frentista W.C. Moss (Michael J. Pollard) e mais adiante o irmão de Clyde, Buck (Gene Hackman) e sua mulher, Blanche (Estelle Parsons). Pouco depois, a gangue já é conhecida e procurada em boa parte do país, tornando-se famosa e de certa forma admirada pela população.

Como era de se esperar, o roteiro de David Newman e Robert Benton (que contou com a não-creditada ajuda de Robert Towne) não é totalmente fiel aos fatos reais da vida de seus protagonistas (W.C.Moss, por exemplo, é uma mistura de três pessoas), mas tenta seguir ao máximo a cronologia dos acontecimentos e a história verdadeira. O relacionamento entre o casal central é um dos pontos mais dissonantes da realidade: segundo historiadores, Clyde era bissexual - o primeiro roteiro claramente apresentava uma espécie de romance entre ele e Moss - enquanto no filme, sua incapacidade de consumar o ato sexual com Bonnie advém do fato de ele ser impotente. Não deixa de ser interessante, contudo, ver que a violência, os roubos e a adrenalina das perseguições de certa maneira substitui, para ela, os orgasmos que não tem com o homem que ama - o primeiro beijo deles acontece quando ela o assiste assaltar uma mercearia, o que não deixa de reiterar a afirmação.


Idealizado em preto-e-branco (ideia rejeitada ferozmente pela Warner), "Bonnie & Clyde" tem um estilo semi-documental que, apesar da violência um tanto excessiva pra época - mortes acontecem a todo instante e sem disfarces de edição - ainda arruma espaço para uma espécie de humor negro. A trilha sonora impecável de Charles Strouse casa perfeitamente tanto nas cenas mais densas quanto nas sequências mais leves, em um tom espirituoso que lembra o cinema mudo e impede o produto final de tornar-se indigesto a um público ainda não acostumado com o vigor apresentado pelo cineasta. Inclusive, Penn - que concorreu ao Oscar por seu magnífico trabalho - substituiu ninguém mais ninguém menos do que o francês François Truffaut, que esteve envolvido diretamente em mais de uma etapa da produção do filme, mas o abandonou na última hora para cuidar de seu projeto de estimação, "Fahrenheit 451".

E não foi só Truffaut quem poderia ter seu nome intimamente ligado à "Bonnie & Clyde": além de Bob Dylan ter sido considerado para viver o protagonista masculino, a personagem feminina central também teve nomes cotados antes que Dunaway agarrasse o trabalho com unhas e dentes: Jane Fonda não quis deixar a França onde morava na época, Cher despertou a ira do seu então marido Sonny Bono por tentar um papel em um filme tão controverso e Shirley MacLaine saiu de cena por razões óbvias quando Beatty assumiu como Clyde, uma vez que não seria apropriado ter dois irmãos vivendo um casal nas telas de cinema.

Apropriado, aliás, o filme não pareceu nem um pouco quando estreou. Lançado pelo estúdio como um filme B, sem maior divulgação e sem alarde, ele recebeu algumas críticas massacrantes - em especial a do principal resenhista da revista "Newsweek", Joseph Morgenstern - e não parecia ter um futuro promissor. Quando, no entanto, jovens começaram a lotar as sessões e outros críticos passaram a tecer loas entusiasmadas à obra, tudo mudou. Não só o estúdio relançou o filme em maior escala como até mesmo Morgenstern voltou atrás, declarando estar completamente errado em sua primeira impressão. As dez indicações ao Oscar apenas confirmaram o que qualquer espectador poderia perceber assim que as polaróides da abertura do filme apareciam na tela: ali estava um clássico atemporal.

Sexy, violento e amoral, "Bonnie & Clyde" é um dos filmes mais fascinantes sobre a América pós-1929 e um dos mais importantes exercícios de estilo do cinema americano de todos os tempos. Tão interessante agora quanto há 43 anos, é um exemplo de técnica, talento e coragem a ser seguido por qualquer cineasta que preze sua integridade artística.

Um comentário:

Alan Raspante disse...

Sinceramente não sabia da existência deste longa, nunca ouvi falar ! rs
Mas depois desta crítica, fiquei animado para conferir e já marquei na minha interminável lista ! rs
Abs.

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