7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Jonathan Demme), Ator (Anthony Hopkins), Atriz (Jodie Foster), Roteiro Adaptado, Montagem, Som
Vencedor de 5 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Jonathan Demme), Ator (Anthony Hopkins), Atriz (Jodie Foster), Roteiro Adaptado
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Jodie Foster)
Urso de Ouro Festival de Berlim: Melhor Diretor (Jonathan Demme)
Em Hollywood, uma regra não escrita dita que filmes lançados no início do ano tem poucas - ou nenhuma - chances nas cerimônias de premiação que acontecem no ano seguinte. Levando-se em consideração a quantidade de produtos que chegam às telas durante o período de um ano e o fato de que os estúdios deixam suas apostas para estrearem na época de maior visibilidade para as premiações - a saber, entre o feriado de Ação de Graças e o Natal - não é de se duvidar da afirmação. Mas toda regra tem exceções e, vez ou outra, os normalmente bitolados eleitores da Academia, por exemplo, descobrem que alguns filmes são tão bons que sobrevivem ao tempo e merecem sua homenagem. É o caso de "O silêncio dos inocentes", filmaço de Jonathan Demme que estreou em fevereiro de 1991 e mais de um ano depois arrebatou não só o Oscar de Melhor Filme do ano como reuniu no pacote as estatuetas de diretor, ator, atriz e roteiro adaptado, feito só conquistado antes em duas ocasiões em 1935, com "Aconteceu naquela noite", de Frank Capra, e em 1975 com "Um estranho no ninho", dirigido por Milos Forman. Além de ter superado a barreira cronológica e entrar no seleto grupo vencedor do Big Five, porém, "O silêncio dos inocentes" alcançou outro destaque - até hoje é o único filme de suspense/horror a abiscoitar o prêmio máximo do cinema.
Publicado em 1988, como uma espécie de sequência de "Dragão vermelho" - que por sua vez foi adaptado para o cinema em duas ocasiões, em 1986 (um fracasso) e em 2002 (um sucesso) - o livro de Thomas Harris logo chamou a atenção da atriz Jodie Foster, que apressou-se em comprar os direitos de adaptação. Porém, o ator Gene Hackman havia chegado na frente, pretendendo dirigir o filme e possivelmente estrelá-lo. Quando Hackman desistiu da ideia por não sentir-me mais à vontade participando de filmes violentos e Jonathan Demme - dono de um currículo que incluía mais claramente comédias como "Totalmente selvagem" e "De caso com a máfia" - assumiu o comando do projeto, Foster ofereceu-se para interpretar a protagonista, mas foi deixada de lado Demme queria Michelle Pfeiffer no papel. Depois que Pfeiffer, Meg Ryan e Melanie Griffith (!!!) também pularam fora devido ao tema um tanto quanto pesado do material, finalmente Jodie convenceu o cineasta de que era a atriz séria para viver Clarice Starling. Com o ator inglês Anthony Hopkins a bordo, na pele do vilão mais carismático da história do cinema, "O silêncio dos inocentes" estava pronto para estrear. O resto é história.

Pronto para estrear no outono de 1990, "O silêncio dos inocentes" teve sua estreia adiada pelo próprio estúdio - o já capenga Orion Pictures -, que preferiu focar seus esforços em promover o soporífero "Dança com lobos" junto aos eleitores da Academia. A estratégia funcionou - o filme de Kevin Costner levou 7 Oscar pra casa, a despeito de sua chatice - e a obra de Demme só foi ver a luz dos projetores no início de 1991. Mal sabia o estúdio que um ano depois estaria comemorando um bicampeonato - dessa vez muito mais justo - graças a um filme forte, tenso e sem concessões ao público médio. Um filme quase doentio e talvez justamente por isso, sensacional!
A aspirante a agente do FBI Clarice Starling (Jodie Foster) - cujo pai policial morreu quando ela ainda era criança - é chamada à sala de seu supervisor Jack Crawford (Scott Glenn) para que receba uma missão aparentemente banal e corriqueira entrevistar o famoso sociopata Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), conhecido pela alcunha de Canibal, por degustar suas vítimas. A versão oficial é a de que a agência precisa de alguns dados dele para uma pesquisa, mas logo a jovem descobre que os interesses em Hannibal são bem outros cientes do brilhantismo do prisioneiro - um psiquiatra de QI muito acima da média - os membros do FBI querem que ele ajude na captura de um outro assassino serial que vem atacando mulheres e arrancando suas peles, apelidado de Buffalo Bill. Fascinado pela inteligência de Starling, Lecter aceita ajudá-la em sua missão, desde que ela compartilhe com ele seus pensamentos mais pessoais, como em uma espécie de sessão de terapia. Mesmo alertada dos perigos que corre aceitando a proposta de Lecter, ela aceita o desafio, iniciando um perigoso duelo mental.
Apedrejado por instituições de direitos aos gays, que viram nele mais um incitador ao preconceito - uma vez que seu vilão é um transexual violento - "O silêncio dos inocentes" acabou se beneficiando das polêmicas. Com mais de 130 milhões de dólares arrecadados nas bilheterias americanas, o filme de Demme arrancou elogios entusiasmados da crítica desde sua estreia e o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Berlim de 1991 apenas reiterou as loas. Quando finalmente saiu da noite do Oscar multi-premiado (e já disponível no mercado de vídeo há um bom tempo), a história da fascinante relação entre uma agente do FBI com um psicopata canibal cimentou de vez sua importância na história do cinema.
Seguindo o material de origem com uma fidelidade quase canina, o roteiro de Ted Tally - merecidamente premiado com o Oscar - é um perfeito exemplo de como transportar um livro para as telas de cinema sem perder a sua essência. O clima de tensão constante que perpassa todo o romance de Thomas Harris nunca deixa de estar presente em sua versão cinematográfica. A direção firme e inteligente de Jonathan Demme respeita a história a as personagens acima de qualquer interesse em demonstrar versatilidade ou inovações. Ao confiar na trama e em seu desenrolar angustiante e excitante, Demme deixa que sua câmera discreta observe o embate entre Clarice e Hannibal - e posteriormente entre o FBI e Buffalo Bill - de forma seca, mas nunca indiferente. Jodie Foster entrega uma atuação arrebatadora, madura e corajosa como uma mulher sofrendo por demônios interiores enquanto caça os exteriores. Seu olhar expressivo consegue mixar terror, saudade e angústia na medida certa, sem exageros ou minimalismos estilísticos. Os olhos de Clarice são os olhos do público e como tal, são curiosos, nervosos, indagadores e se deixam hipnotizar por Lecter, em uma sublime interpretação de Anthony Hopkins, que teve sua carreira ressuscitada com seu Oscar, mas que depois de vários filmes repetindo a personagem acabou perdendo um pouco de seu fascínio. Na pele de Buffalo Bill, o ator Ted Levine - injustamente esquecido em todas as premiações do ano - consegue despertar pavor e asco, ainda que tenha que defender uma personagem praticamente indefensável. Somados à extraordinária trilha sonora de Howard Shore e à edição esperta de Craig McKay, a direção de Demme, o roteiro de Tally e o elenco impecável transformam "O silêncio dos inocentes" em um clássico moderno.