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A CASA DO FIM DO MUNDO

A CASA DO FIM DO MUNDO (A home at the end of the world, 2004, Warner Independent Pictures, 97min) Direção: Michael Mayer. Roteiro: Michael Cunningham, romance de sua autoria. Fotografia: Enrique Chediak. Montagem: Andrew Marcus, Lee Percy. Música: Duncan Sheik. Figurino: Beth Pasternak. Direção de arte/cenários: Michael Shaw/Mark Steel. Produção executiva: Michael Hogan, John Sloss. Produção: John N. Hart Jr., Tom Hulce, Pamela Koffler, Katie Roumel, Jeffrey Sharp, Christine Vachon, John Wells. Elenco: Colin Farrell, Dallas Roberts, Robin Wright Penn, Sissy Spacek, Erik Smith, Harris Allan. Estreia: 09/6/94

Michael Cunningham é um excelente escritor. Vencedor do Pulitzer por "As horas" - que deu origem ao filme vencedor do Oscar de melhor atriz (Nicole Kidman) - e autor devidamente reconhecido pela qualidade consistente de seus personagens, ele achou que poderia, também, virar roteirista de cinema. Porém, uma coisa é escrever um romance, com espaço para divagações e aprofundamentos psicológicos e outra bem diferente é colocar em imagens as situações e personagens imaginadas - especialmente quando não se tem muito tempo para isso. É por isso que "A casa do fim do mundo", baseado em um livro escrito por ele mesmo, não funciona como poderia em sua transição para as telas. Enquanto "As horas" foi adaptado pelo dramaturgo David Hare, acostumado com a linguagem dramática e experiente em dotar de ritmo até mesmo um enredo truncado por uma estrutura que comportava três tempos diferentes, a versão para as telas de "Uma casa no fim do mundo" (título bem mais apropriado, apesar da pequena diferença) não chega nem aos pés do material original, esvaziando seus personagens e a trama central e banalizando sua discussão a respeito de amizade, amor e definições de família.

Prejudicado pela inexperiência de seu diretor, Michael Mayer, estreando em longas-metragem, e pelo roteiro superficial (uma decepção, haja visto que Cunningham é um escritor comprovadamente capaz), "A casa do fim do mundo" não atinge nem de longe todo o seu potencial. Começando pelas caracterizações um tanto óbvias e preguiçosas, passando por um desenvolvimento sonolento e culminando com um final anticlimático, o filme desperdiça bons atores em uma produção que nem ao menos tenta ser ousada ou corajosa. Os personagens, riquíssimos nas páginas do romance, parecem apenas estereótipos na tela, clichês ambulantes que não conseguem cativar o espectador ou sequer interessá-lo em uma trama que corre aos tropeções, sem nenhuma sutileza ou emoção. Some-se a isso a falta de carisma de Dallas Roberts - um dos protagonistas - e a falta de química entre Colin Farrell e Robin Wright (então ainda assinando com o sobrenome de Sean Penn) e o resultado é desastroso. Só não é pior porque, apesar da direção sem inspiração, Farrell e Wright são sensacionais e compensam (quase) todos os deslizes.


Assim como no livro, a estória começa mostrando o início da amizade entre Bobby e Jonathan, dois adolescentes que, em 1974, estão prestes a se aventurar no mundo das drogas e do sexo. Bobby é traumatizado pela morte trágica do irmão mais velho, e vive com o pai alcóolatra desde que perdeu a mãe - o que o faz aproximar-se ainda mais de Alice (Sissy Spacek), a mãe de Jonathan. O relacionamento dos rapazes vai ficando cada vez mais íntimo (em todos os quesitos) e eles se separam apenas quando Jonathan abandona Cleveland para estudar em Nova York. Alguns anos mais tarde, Bobby (já na pele de Colin Farrell, um tanto deslocado no papel) resolve procurar o velho amigo e tentar a vida longe da zona de conforto. É então que chega ao apartamento onde Jonathan (interpretado pelo novato Dallas Roberts) vive com Clare (Robin Wright Penn), uma mulher um pouco mais velha com quem ele mantém um relacionamento pouco tradicional. Logo Bobby e Clare se envolvem - a despeito dela ser apaixonada por Jonathan - e os três passam a viver juntos, como uma atípica família. As coisas avançam quando Clare fica grávida e todos eles resolvem se mudar para uma propriedade afastada, perto de Woodstock.

Os lances dramáticos da trama, costurados com delicadeza no romance, são jogados ao espectador sem muita parcimônia, na adaptação feita por Cunningham. Todas as nuances que envolvem o triângulo amoroso central - Bobby ama Clare, que ama Jonathan, que ama Bobby - são desenvolvidos quase com medo, sem aprofundamento algum. Temas como a homossexualidade de Jonathan, seu relacionamento com Bobby e a doença que os aproxima ainda mais, são tratados sem a delicadeza esperada - assim como a relação entre Clare e Bobby, que soa abrupta e inverossímil. O próprio Bobby é dono de uma inocência tão grande que é difícil de acreditar, principalmente porque Colin Farrell - um ótimo ator, fato já demonstrado diversas vezes - soa desconfortável em boa parte do filme. Além disso, tudo parece muito fácil para os protagonistas: não há conflitos, não há grandes problemas (ao menos na forma como tudo é tratado pelo roteiro) e até o final é completamente incoerente. Uma pena que um livro tão formidável tenha sido adaptado com tão pouco cuidado justamente por seu autor. Poderia ser mais uma obra-prima, mas é apenas um filme muito aquém de suas possibilidades.

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