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O BARATO DE GRACE

O BARATO DE GRACE (Saving Grace, 2000, Sky Pictures, 93min) Direção: Nigel Cole. Roteiro: Craig Ferguson, Mark Crowdy, estória de Mark Crowdy. Fotografia: John de Borman. Montagem: Alan Strachan. Música: Mark Russell. Figurino: Annie Symons. Direção de arte/cenários: Eve Stewart/Tom Read. Produção executiva: Xavier Marchand, Cat Villiers. Produção: Mark Crowdy. Elenco: Brenda Blethyn, Craig Ferguson, Martin Clunes, Tchéky Karyo, Jamie Foreman, Valerie Edmond, Phyllida Law. Estreia: 24/01/00 (Festival de Sundance)

Só mesmo um cineasta inglês conseguiria o feito de realizar uma comédia sobre maconha sem chocar o público mais conservador - e ainda por cima conquistar a crítica a ponto de receber uma indicação ao Golden Globe de melhor atriz e o prêmio da audiência no Festival de Sundance. Extraindo seu humor do dia-a-dia, de personagens carismáticos e do surrealismo da situação central, "O barato de Grace" é uma delícia! Leve, inteligente, ligeiro e alto-astral, é o triunfo da simplicidade em uma indústria anabolizada por orçamentos milionários e efeitos visuais estonteantes. Sem grandes astros no elenco - o nome mais conhecido é o de Brenda Blethyn, indicada ao Oscar por "Segredos e mentiras" (96) - e dirigido por Nigel Cole - que três anos depois lançaria o igualmente simpático "Garotas do calendário", estrelado por Helen Mirren -, é o que se convencionou chamar de feel good movie, mas tem a seu favor a coragem de provocar a plateia com um assunto delicado, mesmo que faça isso apenas superficialmente e de maneira menos ofensiva possível.

A protagonista, interpretada com perfeito timing cômico por uma surpreendente Brenda Blethyn, é Grace Trevethyn, que acaba de ficar viúva e descobrir, do pior jeito possível, que está na bancarrota. Além de não lhe deixar nenhuma herança, seu marido, morto em circunstâncias estranhas, acumulou dívidas a ponto de sua própria casa estar correndo o risco de ser leiloada. Desesperada com sua situação, conhecida de toda a pequena cidade onde ela vive, Grace encontra uma saída inesperada quando se oferece para ajudar seu jovem jardineiro, Matthew (Craig Ferguson, também um dos autores do roteiro), recém demitido, a cultivar uma erva que, sem a luz apropriada, não está crescendo o suficiente enquanto escondida em um terreno atrás da casa do vigário do local. Encantada com a rapidez com que as plantas se desenvolvem em sua estufa, Grace descobre que está com uma mina de ouro em mãos: Matthew planta maconha e sua venda, caso o investimento seja maior, pode não apenas salvar seu lar mas lhe render uma bela grana.


As artimanhas de Grace para defender seu novo modo de vida, sua relação de mãe e filho com Matthew, a ajuda dos amigos para esconder a contravenção da querida moradora da cidade, as tentativas da protagonista em vender a mercadoria a um perigoso traficante londrino (Tchéky Karyo) e os problemas entre o jardineiro e sua namorada grávida, Nicky (Valerie Edmond) dão a tônica do filme. Com um ritmo admirável, que mescla humor e uma certa melancolia, o roteiro explora ao máximo as idiossincrasias de uma cidade do interior, com generosidade suficiente para oferecer cenas memoráveis até mesmo a coadjuvantes com papéis quase insignificantes (a dupla de idosas que tomam chá de maconha, uma delas interpretada por Phyllida Law, mãe da atriz Emma Thompson é hilariante). Além disso, a trilha sonora repleta de sucessos dos anos 70 e 80 ilustra com perfeição o clima da produção - e convida o espectador a uma doce nostalgia enquanto acompanha as travessuras de uma personagem principal encantadora e corajosa. A despretensão do filme lembra a de outro produto britânico, "Ou tudo ou nada" (97), mas sua crítica social é bem menos contundente - ainda que ambos se utilizem de assuntos tabu (nudez masculina e uso de maconha) para divertir e emocionar.

É inegável que, em determinado ponto, "O barato de Grace" sofre uma pequena queda de ritmo - quando a protagonista sai de sua cidadezinha para ir ao encontro do traficante o filme perde um pouco seu tom doméstico e parece prestes a cair na armadilha de querer ir mais longe do que deveria. Mas felizmente o roteiro logo retorna às suas origens e volta a centrar seu foco nos problemas de Grace e na relação problemática entre Matthew e Nicky. O desfecho também pode soar um pouco forçado, buscando um final feliz meio inverossímil. Porém, é tudo tão simpático, agradável e bem-humorado que é difícil reclamar. Nigel Cole dirige o filme com mão leve, sem forçar a barra nos dramas de sua personagem principal - mesmo que sua situação seja bastante preocupante - e tratando o casal romântico central com carinho de pai. É um filme que merecia ter tido mais sucesso - e que é altamente recomendável a qualquer espectador que esteja disposto a relaxar diante da tela sem abrir mão de seus neurônios. Uma bela e aconchegante surpresa!

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