quarta-feira

O BOM PASTOR

O BOM PASTOR (The good shepherd, 2006, Universal Pictures, 167min) Direção: Robert De Niro. Roteiro: Eric Roth. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Tariq Anwar. Música: Bruce Fowler, Marcelo Zarvos. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Jeannine Oppewall/Gretchen Rau, Leslie E. Rollins, Alyssa Winter. Produção executiva: Chris Brighan, Francis Ford Coppola, Howard Kaplan, Guy McElwaine, David Robinson. Produção: Robert De Niro, James G. Robinson, Jane Rosenthal. Elenco: Matt Damon, Angelina Jolie, Robert De Niro, Alec Baldwin, William Hurt, John Turturro, Tammy Blanchard, Billy Crudup, Joe Pesci, Lee Pace, Eddie Redmayne, Gabriel Macht, Michael Gambon, Timothy Hutton. Estreia: 11/12/06

Indicado ao Oscar de Direção de Arte/Cenários

"O bom pastor" é um filme caro. Caro e ambicioso. Ao retratar o surgimento da CIA, através dos olhos de um de seus primeiros agentes - e fazer isso com uma narrativa sofisticada, repleta de flashbacks e numerosos personagens em quase três horas de duração -, foi também um imenso risco comercial para a Universal Pictures, que herdou o projeto da Columbia e da MGM. Com um custo estimado em 90 milhões de dólares (uma fortuna para um filme sem efeitos visuais, cenas de ação ou um protagonista de fácil reconhecimento aos olhos do público médio), o segundo filme dirigido por Robert De Niro só chegou mesmo às telas graças ao empenho de seu diretor (que o tratava como projeto de estimação há pelo menos dez anos antes de sua estreia) e ao comprometimento de Matt Damon, jovem astro então com capacidade o bastante para tocar para frente qualquer produção graças ao sucesso dos dois primeiros filmes da série Bourne. Graças à tenacidade de ambos, o filme, cujo embrião surgiu em 1994 - quando o roteirista Eric Roth, em vias de ganhar um Oscar por "Forrest Gump: o contador de histórias", de Robert Zemeckis, apresentou a ideia à Francis Ford Coppola - finalmente viu a luz dos refletores no final de 2006, e quase como a crônica de uma morte anunciada, não fez barulho nas bilheterias.

Mas se o relativo fracasso comercial de "O bom pastor" não chegou a surpreender muita gente, o que mais chamou a atenção foi a esnobada que o filme levou da Academia: típico produto que disputa os principais Oscar, foi indicado apenas à estatueta de melhor direção de arte, que perdeu para "O labirinto do fauno", de Guillermo Del Toro. Não deixa de ser uma injustiça: da fotografia espetacular de Robert Richardson à trilha sonora discreta de Marcelo Zarvos, não há nada, em termos técnicos, que não seja impecável no resultado final. A reconstituição de época caprichada, a edição inteligente, o clima de suspense e paranoia criado pela direção e as interpretações no tom exato são flagrantes até mesmo ao espectador mais exigente. O problema é que, apesar disso tudo, o roteiro peca ao não oferecer, ao público, alguém com quem se identificar. O personagem principal, Edward Wilson, não permite qualquer empatia ou diálogo com a plateia - e essa frieza, que afastou Coppola da direção (mas não da produção executiva), acaba sendo o calcanhar de Aquiles da obra, um problema que nem o carisma de Matt Damon é capaz de superar.


Damon, aliás, está muito bem no papel central, em uma interpretação que ele afirma ter se inspirado no trabalho de Gene Hackman em "A conversação" (74), coincidentemente do mesmo Coppola a quem o filme foi oferecido em primeira mão. Como bom agente secreto, o Edward Wilson criado por Damon é lacônico, distante e aparentemente inexpressivo - enquanto seu interior é um tumultuado caos. É Damon quem dá o tom de todos à sua volta, evitando qualquer passo fora do minimalismo sublinhado pelas sombras da fotografia de Richardson, que evoca com sucesso os filmes noir dos anos 40 e 50 para enfatizar a construção dramática da história contada. Com duas linhas narrativas paralelas, "O bom pastor" começa às vésperas da crise na Baía dos Porcos, em 1961, quando o governo de John Kennedy estava no auge de seu conflito com Cuba e Fidel Castro. Enquanto o roteiro mostra as tentativas de Wilson em cooperar na resolução dos problemas políticos e fugir das suspeitas de que pode ser um traidor (descobrindo o nome do verdadeiro agente duplo), flashbacks dão conta de mostrar a forma como ele chegou a seu destino, retratando desde seus dias juvenis como parte de uma fraternidade universitária que lhe forneceu contatos e atalhos para chegar a Washington, até seu casamento com Clover Russell (Angelina Jolie) - uma relação marcada pela distância que seu trabalho impunha - e o relacionamento com o único filho, Edward Jr. (Eddie Redmayne), que resolve seguir os passos do pai e também entrar na CIA, apesar de ter testemunhado toda a sua trajetória marcada pela solidão.

Bem diferente do primeiro filme dirigido por De Niro - o despretensioso "Desafio no Bronx" (94), com ecos autobiográficos -, "O bom pastor" mostra que o cineasta sabe muito bem o que faz quando se trata de dirigir atores (e são muitos, todos conhecidos do grande público, às vezes em papéis bem pequenos, mas sempre muito importantes). Falta, porém, a experiência necessária para enxugar a trama e lhe injetar um dinamismo que lhe faria muito bem. Além de necessitar de certo conhecimento da história dos EUA, o espectador ainda é soterrado de informações, nomes e datas que, mais do que empurrar a trama adiante, apenas a tornam confusa demais para quem procura entretenimento. Quando finalmente o ritmo entra nos eixos, nos vinte minutos finais, já é tarde para empolgar àqueles que não são fãs incondicionais de histórias de espionagem - ainda que talvez suas inúmeras outras qualidades possam minimizar seus pequenos defeitos. No final das contas, é um filme adulto, complexo, de narrativa elegante e alguns bons momentos de tensão. Não é tão bom quanto poderia ser, mas pode ser que, com o passar do tempo, se torne um clássico a ser descoberto.

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