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ANATOMIA DE UM CRIME

ANATOMIA DE UM CRIME (Anatomy of a murder, 1959, Carlyle Productions, 160min) Direção: Otto Preminger. Roteiro: Wendell Mayes, romance de Robert Traver. Fotografia: Sam Leavitt. Montagem: Louis R. Loeffler. Música: Duke Ellington. Direção de arte: Boris Leven. Produção: Otto Preminger. Elenco: James Stewart, Lee Remick, Ben Gazzarra, Arthur O'Connell, Eve Arden, George C. Scott. Estreia: 01/7/59

7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (James Stewart), Ator Coadjuvante (Arthur O'Connell, George C. Scott), Roteiro Adaptado, Fotografia em P&B, Montagem

Um filme que, em plena vigência do Código Hays - guia de regras morais impostas ao cinema americano entre os anos de 1930 e 1968 e que tentava controlar, de forma ditatorial, o conteúdo que se considerava desagradável ou impróprio ao público - se utilizava de termos como "calcinha", "estupro", "esperma", "penetração" e "vagabunda" já merecia figurar em qualquer lista de obras imprescindíveis para se melhor compreender a história do cinema hollywoodiano. Se o filme em questão ainda por cima for um drama de tribunal da melhor estirpe, adaptado do romance de um juiz da Suprema Corte, dirigido por um cineasta sério e estrelado por James Stewart e George C. Scott, então, tal merecimento se transforma em obrigação. Sendo assim, não é à toa que "Anatomia de um crime" siga, mais de meio século depois de seu lançamento, como uma das mais importantes produções americanas de todos os tempos.

O protagonista do filme é Paul Biegler (James Stewart), um advogado mais afeito às pescarias, ao jazz que volta e meia toca em seu piano e às suas longas conversas com o melhor amigo, Parnell McCarthy (Arthur O'Connell). O que acaba o retirando de sua semi-aposentadoria - e ainda assim meio à contra-gosto - é o telefonema de uma mulher chamada Laura Manion (Lee Remick em papel que quase foi de Lana Turner): ela o contrata para defender seu marido, o tenente do exército Frederick Manion (Ben Gazzarra). O jovem réu é acusado do assassinato de outro homem, mas Laura insiste que o crime aconteceu como forma de vingança, por a vítima tê-la violentado. Não demora muito para que Biegler passe a duvidar um pouco da história contada por seus clientes, uma vez que Laura não é exatamente uma mulher exemplar: vulgar, provocante e pouco arraigada a convenções sociais, ela pode ser um sério obstáculo à absolvição do marido. Para piorar as coisas, o promotor convocado para o caso é o vaidoso e ambicioso Claude Dancer (o ótimo George C. Scott, que faria história onze anos depois recusando seu Oscar por "Patton, rebelde ou herói?"), cujo estilo sóbrio contrasta ferozmente com o jeito simples e quase caipira de Biegler.



Longe de buscar o sensacionalismo que o tema poderia sugerir, "Anatomia de um crime" utiliza de maneira sóbria e inteligente os elementos que o destacam ainda hoje entre seus congêneres. Apesar de apresentar em seu roteiro tudo aquilo que atualmente pode ser considerado clichê, Wendell Mayes - indicado ao Oscar por seu meticuloso trabalho - não hesita em embaralhar as cartas do jogo, deixando no espectador a dúvida crucial que também acomete ao corpo de jurados: será que realmente a história contada pelo réu é verdadeira? Será que a vítima do estupro é tão inocente quanto se declara? Será que uma mulher flagrantemente pouco afeita ao puritanismo de sua cidadezinha merece ser julgada como criminosa? Ao estabelecer todas essas questões, tanto o roteiro de Mayes quanto a direção imparcial de Otto Preminger dão um passo à frente em questões até então varridas para debaixo do tapete da sociedade ianque.


À parte o fato de ter tido a coragem de desafiar o tal Código de Produção, com seu tema e seu roteiro sem meias-palavras ou suscetibilidades, "Anatomia de um crime" conquista o público por causa principalmente devido a suas qualidades dramáticas, que vão desde a direção segura de Otto Preminger - que trata a audiência como gente grande e capaz de tirar suas próprias conclusões, evitando o uso de flashbacks e mantendo a dubiedade da versão oficial da defesa - até a escalação certeira de um elenco inspiradíssimo. James Stewart poucas vezes esteve tão seguro em cena, especialmente nos confrontos com George C. Scott e nas cenas encharcadas de uma tensão sexual quase palpável com a Laura Manion de Lee Remick. Destaca-se também um jovem Ben Gazzarra, mostrando-se extremamente eficaz como o réu em constante estado de excitação violenta. Eles são as ferramentas que Preminger utiliza para construir sua obra-prima.

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