NA CAMA COM MADONNA (Madonna: Truth or Dare, 1991, Boy Toy/Miramax Films, 120min) Direção: Alek Keshishian. Montagem: Barry Alexander Brown. Produção executiva: Madonna. Produção: Tim Clawson, Jay Roewe. Elenco: Madonna, Donna DeLory, Niki Harris, Luis Camacho, Oliver Crumes, Salim Gauwloos, Jose Guitierrez, Kevin Stea, Gabriel Trupin, Carlton Wilborn. Estreia: 10/5/90
Em 1991, Madonna estava em um momento especial de sua carreira, iniciada quase uma década antes: divorciada de seu primeiro marido (o ator Sean Penn, com quem manteve uma relação no mínimo atribulada), elogiada por seu desempenho no filme "Dick Tracy" (em cujos bastidores conheceu e seduziu o diretor/ator/Don Juan Warren Beatty) e contando os milhares de dólares arrecadados por sua turnê mundial "Blonde Ambition", a material girl planejava a dominação do planeta com um pacote ousado em três frentes: o cinema, a literatura e a música. Com o álbum "Erotica", o polêmico livro de fotos sensuais chamado "Sex" e o filme "Corpo em evidência" - onde interpretaria uma mulher acusada de matar o amante de exaustão sexual que envolve seu advogado em uma teia de sadomasoquismo - ela selaria de vez junto a seu fiel público o compromisso de manter sempre viva a chama da controvérsia e das discussões sobre os limites entre arte e pornografia. Antes disso, porém, ela chamou a atenção de todo mundo com outra obra que lhe dirigiu os holofotes até mesmo do sério Festival de Cannes: seu documentário-musical "Na cama com Madonna", que misturava apresentações de seus shows (fotografadas em cores e que mostrava a excelência da produção) e os bastidores da turnê (em um preto-e-branco que revelava detalhes tanto engraçadíssimos quanto chocantes perante os olhos dos mais puritanos). Com o irrisório custo de U$ 4,5 milhões, o filme tornou-se rapidamente na segunda maior bilheteria de um filme do gênero, perdendo apenas para o icônico "Woodstock", de 1969.
Dirigido por Alek Keshishian - depois que David Fincher, que havia assinado os videoclipes "Oh, father", "Express yourself" e "Vogue", da cantora - "Na cama com Madonna" é um filme para fãs, sem dúvida, mas é bem capaz de divertir até mesmo aqueles que não veem nela nada mais do que apenas a mais bem-sucedida estrela da música pop mundial até hoje. Se artistas como Lady Gaga, Britney Spears e Beyoncé hoje são reconhecidas, admiradas e tem sua legião de admiradores, muito devem à coragem de Madonna em, desde sempre, tomar as rédeas de sua carreira e fazer o que bem entendia. Essa ousadia - misturada com um tanto de arrogância que frequentemente vem junto com a genialidade - fica óbvia em cada momento do documentário. Obcecada com a perfeição de seus shows, Madonna não aceita erros, compra briga com o próprio Papa na ocasião de sua apresentação na Itália e chega a ser ameaçada de prisão graças às insinuações de sexo de suas coreografias. Esses problemas legais, inclusive, a empurram mais adiante: percebe-se claramente que o combustível da cantora é justamente a vontade de provocar a audiência. E isso, ninguém pode negar, ela faz com maestria.
As cenas de bastidores captadas pela lente indiscreta de Keshishian registram momentos antológicos da carreira de Madonna. São elas que mostram o desprezo da cantora por Kevin Costner (na época em que ele era o queridinho da América graças ao soporífero "Dança com lobos"), sua paixão enrustida por Antonio Banderas (de quem ela leva uma esnobada clássica e com quem mais tarde dividiria a cena em "Evita"), sua provocação à vaidade do então namorado Warren Beatty, o reencontro com uma amiga de infância (e sua pouca importância a ela), a relação com a família e principalmente a maneira frequentemente carinhosa com que se relacionava com a equipe do show - em especial os bailarinos que, como diz o titulo nacional do filme, revelam-se diante das câmeras em conversas na cama de sua patroa. Tais conversas - e tais revelações, especialmente - acabaram criando polêmica também após o lançamento do filme, quando três dançarinos abriram um processo por invasão de privacidade, fraude e manipulação de imagem (o que é, no mínimo, suspeito, uma vez que todos sabiam perfeitamente bem que estavam sendo filmados). Tais momentos, que incluem um surpreendente jogo da verdade onde ela revela ainda amar Sean Penn e simula sexo oral em uma garrafa, estão entre os mais marcantes em um filme repleto deles.
E se os bastidores de "Blonde Ambition" são sensacionais o show em si é ainda mais empolgante. Uma das primeiras estrelas pop a utilizar a tecnologia como algo mais do que simplesmente coadjuvante no palco, Madonna apresenta um espetáculo acima de qualquer crítica. Recheado de sucessos que vão desde o início de sua carreira, como "Like a virgin" (cuja performance é uma das mais polêmicas e que lhe rendeu as ameaças do Vaticano) até aqueles que estavam começando a bombar nas pistas de dança, com "Vogue", a turnê mostra que Madonna, mais do que simples cantora, é também uma entertainer completa, que conduz com firmeza e segurança uma série de números musicais brilhantes, concatenados como uma espécie de narrativa que fala da força feminina, da fé, da família e da liberdade sexual. Se as pessoas veem Madonna apenas como uma aberração da mídia é porque ainda não tiveram a oportunidade de assistir a seu documentário: muito antes de enveredar por outros caminhos na carreira (como a preocupação social e espiritual que deu o tom de seu "I'm going to tell you a secret", vindo anos depois), ela já mostrava que sabia, como poucas de sua geração, utilizar todas as armas disponíveis para chegar ao topo. De onde ainda não saiu, mais de vinte anos depois.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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