quarta-feira

MINHAS MÃES E MEU PAI

MINHAS MÃES E MEU PAI (The kids are all right, 2010, Focus Features, 106min) Direção: Lisa Cholodenko. Roteiro: Lisa Cholodenko, Stuart Blumberg. Fotografia: Igor Jadue-Lillo. Montagem: Jeffrey M. Werner. Música: Carter Burwell. Figurino: Mary Claire Hannan. Direção de arte/cenários: Julie Berghoff/David Cook. Produção executiva: J. Todd Harris, Neil Katz, Riva Marker, Anne O'Shea, Andrew Sawyer, Steven Saxton, Christy Cashman, Ron Stein. Produção: Gary Gilbert, Jordan Horowitz, Celine Rattray, Daniela Taplin Lundberg. Elenco: Julianne Moore, Annette Bening, Mark Ruffalo, Mia Wasikowska, Josh Hutcherson. Estreia: 25/01/10 (Festival de Sundance)

4 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Atriz (Annette Bening), Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo), Roteiro Original
Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Filme (Comédia/Musical), Atriz Comédia/Musical (Annette Bening)

Levando-se em consideração o quão conservadora e fechada a ousadias em relação a sexo (especialmente entre iguais) a Academia de Hollywood pode ser – principal razão pela qual preferiram premiar o hipócrita “Crash: no limite” ao invés do infinitamente superior “O segredo de Brokeback Mountain” na cerimônia de 2006 – não deixou de ser uma (boa) surpresa a inclusão da comédia dramática “Minhas mães e meu pai” na lista dos indicados a melhor filme de 2010. A história de um casal de lésbicas que encontra o homem que doou o esperma para a concepção de seus filhos adolescentes e vê sua família entrar em curto-circuito não é exatamente o tipo de produção que os rígidos membros eleitores costumam homenagear – vale lembrar, por exemplo, que neste mesmo ano eles encheram de láureas o tenebroso “O discurso do rei” mesmo com os bem mais criativos “A origem”, “Cisne negro” e “A rede social” no páreo – mas entrou na lista final em quatro categorias importantes (filme, atriz, ator coadjuvante e roteiro original). Não ganhou nada, como se poderia esperar, mas deu ao filme de Lisa Cholodenko uma visibilidade merecida e que, a julgar pela (ainda) impermeabilidade do mercado quando se fala de homossexualidade de forma séria e adulta, ficaria restrita ao mercado GLBT.
Sem transformar seu roteiro – em parceria com Stuart Blumberg, que posteriormente estrearia como diretor com o simpático “Terapia do sexo” – em palanque, Cholodenko acerta em cheio a rechear sua história com momentos de humor e dar a seus personagens uma complexidade rara no cinema americano, dotando-os de qualidades e defeitos na exata medida. É difícil não acreditar em todos os atos que eles cometem, por mais absurdos que a princípio possam parecer, principalmente porque, além do roteiro exemplar, a diretora ainda teve o mérito de juntar um elenco impecável, sem elos fracos e que transmite com exatidão o tom realista proposto pela trama sem nunca cair na armadilha do dramalhão ou da comédia de erros. Um filme basicamente calcado no equilíbrio entre todas as partes de sua equação, “Minhas mães e meu pai” é capaz de conquistar até ao mais renitente conservador.
A médica Nic (Annette Bening, indicada ao Oscar de melhor atriz) e a paisagista Jules (Julianne Moore, injustamente esquecida pela Academia) vivem um casamento pleno e feliz há mais de duas décadas. A harmonia de seu relacionamento – baseado nas diferenças essenciais entre as duas – se reflete em seu casal de filhos, Joni (Mia Wasikowska) e Laser (Josh Hutcherson), dois adolescentes centrados e de mente aberta concebidos através de inseminação artificial. Aos 18 anos de idade e em vias de viajar para a universidade, Joni cede aos pedidos do curioso irmão caçula e resolve entrar em contato com o banco de sêmen que permitiu a gravidez de suas mães e descobre a identidade de seu “pai”. Para sua surpresa, Paul (Mark Ruffalo, que perdeu o Oscar de coadjuvante para Christian Bale em “O vencedor”), o dono de um restaurante de comida orgânica, mostra-se uma pessoa afável, inteligente e comunicativa, que acaba por conquistar a amizade dos dois irmãos. Porém, quem não gosta nada da ideia de ver os filhos se aproximando do que considera uma ameaça à paz de sua família é Nic, uma mulher controladora e acostumada a ditar as regras de sua casa. Mas nem mesmo ela consegue impedir que não apenas os meninos se tornem amigos de Paul: contratada por ele para cuidar da paisagem de um terreno de sua propriedade, Jules acaba sucumbindo a seu charme e pondo em risco seu casamento até então inabalável.




Ao contrário de muitos filmes de temática homossexual que se utilizam de um elemento externo para abalar as convicções de algum dos protagonistas, “Minhas mães e meu pai” não se aproveita de Paul para tal propósito. Sua chegada ao universo anteriormente pacífico e estruturado da família de Nic não tem intenções dramáticas de questionar a sexualidade de Jules, e sim sua situação como alguém que se viu, aos poucos, sendo deixada de lado como mulher e indivíduo. De forma passiva, Jules viu Nic tomar conta de todo o lado prático da família, obrigando os filhos a normas de comportamento social quase sufocantes e pegando para si o papel de provedora (o que em um mundo heteronormativo corresponderia ao papel masculino). A chegada intempestiva e inesperada de Paul lhe oferece não apenas a confiança em sua capacidade criativa e profissional como também volta a lhe despertar o instinto sexual que a rotina doméstica havia tolhido. Não é uma questão de homo ou heterossexualidade: é uma questão de humanidade, e o roteiro faz questão de tratar a infidelidade de Jules com a devida naturalidade. A questão não é o gênero, e sim a lealdade ou falta dela, a busca pela felicidade, a insegurança e a insatisfação com a realidade. Jules é tanto vítima quanto algoz, assim como a personalidade avassaladora de Nic também o é. E Paul, no meio delas, é apenas o catalisador de uma discussão há muito tentando vir à tona.
O que é melhor em “Minhas mães e meu pai” é a absoluta naturalidade com que seus temas são tratados. O roteiro não pisa em ovos ao falar de homossexualidade, famílias modernas, infidelidade, sexo ou uso de drogas. Cholodenko e Blumberg conseguem criar um universo saudável onde tudo isso convive tranquilamente com uma rotina absolutamente corriqueira. Solar, bem-humorado e desprovido de julgamentos morais, o filme aproxima público e personagens sem apelar para piadas rasteiras ou momentos sentimentaloides, ainda que faça rir em algumas sequências e possa emocionar em outras. E não é difícil perceber que boa parte desse sucesso se deve ao elenco irretocável escolhido pela diretora. Annette Bening tem o papel mais complicado, menos simpático e consequentemente menos propenso a conquistar a simpatia da plateia, mas desincumbe-se com maestria do desafio. Julianne Moore foge com destreza das tentações de fazer uma Jules frágil em excesso e mais uma vez mostra porque é uma das grandes atrizes de sua geração, conquistando a cumplicidade do público sem fazer esforço. Mark Ruffalo – conquistando sua primeira indicação ao Oscar – exercita novamente sua persona agradável e alto-astral, justificando o furacão que provoca na família e Josh Hutcherson demonstra que pode vir a ser um grande ator em um futuro próximo. Até mesmo a normalmente apática e inexpressiva Mia Wasikowska está bem, o que confirma a qualidade da direção de atores de Cholodenko.
Engraçado, leve, sério e desprovido de neuras, “Minhas mães e meu pai” é um dos melhores filmes de temática gay a surgir na primeira década do século XXI. Sem fazer propaganda ou levantar bandeiras, trata seus personagens com o carinho e o respeito que merecem, e oferecem ao público um desenho acurado e sentimental – mas nunca açucarado em excesso – de um novo formato familiar, cheio de idiossincrasias e conflitos, mas ainda mais repleto de amor e compreensão. Um belo filme, sem contra-indicações.

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