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O SOL POR TESTEMUNHA

O SOL POR TESTEMUNHA (Plein soleil, 1960, Robert et Raymond Hakim, 118min) Direção: René Clément. Roteiro: René Clément, Paul Gégauff, romance "O talentoso Ripley", de Patricia Highsmith. Fotografia: Henri Decae. Montagem: Françoise Javet. Música: Nino Rotta. Figurino: Bella Clément. Direção de arte: Paul Bertrand. Produção: Raymond Hakim, Robert Hakim, Goffredo Lombardo. Elenco: Alain Delon, Maurice Ronet, Marie Laforêt, Billy Kearns, Erno Crisa. Estreia: 10/3/60

Em 1999, o cineasta e roteirista Anthony Minghella conquistou a crítica e o público com um suspense elegante, psicologicamente denso e interpretado com categoria por um elenco acima de qualquer suspeita que incluía Matt Damon, Jude Law e os oscarizados Philip Seymour Hoffman, Cate Blanchett e Gwyneth Paltrow. O filme, "O talentoso Ripley", era a adaptação quase fidelíssima de um romance policial clássico escrito pela mesma Patricia Highsmith que também legou ao cinema a história que inspirou Hitchcock e seu "Pacto sinistro", e, conforme o sabiam os mais informados e saudosistas, a refilmagem de um dos filmes franceses mais famosos e admirados dos anos 60. Estrelado por um galante e sedutor Alain Delon no auge da beleza, "O sol por testemunha" agradou em cheio até mesmo a própria Highsmith - que lamentou apenas a solução final do roteiro, que altera o romance original em nome de uma suposta moralidade que contradiz praticamente todo o tom niilista da trama engendrada com malícia e inteligência.

A história de "O sol por testemunha" é, logicamente, a mesma do filme de Minghella, salvo algumas alterações óbvias como a ausência da milionária vivida por Cate Blanchett na versão anos 90, que não existe no livro e servia para complicar ainda mais a já confusa teia de mentiras contada pelo protagonista, Tom Ripley. Enquanto no filme estrelado por Matt Damon o roteiro explicava passo a passo as circunstâncias que levaram o protagonista até a Itália atrás de um jovem bon vivant procurado por seu milionário pai, a obra de René Clément já começa em plena ação, mostrando os dois jovens (vividos por Delon e Maurice Ronet, semelhantes fisicamente mas radicalmente diferentes em suas almas) levando uma vida regada a festas, bebedeiras e diversões noturnas. Ripley - que está na Europa pago pelo pai de seu amigo Philippe - é constantemente humilhado pelo rapaz, a quem admira na mesma medida que inveja e, em um nível menos consciente, também odeia. Testemunhando a forma agressiva e egoísta com que Philippe trata até mesmo a sua noiva, a escritora Marge (Marie Laforêt), Ripley - que tem um talento fora do comum para a fraude e a mentira - acaba por desencadear uma tragédia que o obriga a assumir a identidade de seu suposto amigo e, consequentemente, envolver-se em uma espiral de violência e mentiras.


É quase impossível comparar "O talentoso Ripley" e "O sol por testemunha". Ainda que dividam o mesmo DNA, os dois filmes tem ambições distintas, soluções visuais diferentes - apesar de Minghella parecer ter querido homenagear Clemént em alguns momentos específicos de sua realização - e seguem caminhos bastante opostos na visão que tem de seu protagonista. Enquanto Minghella usava e abusava do tom homoerótico latente entre os dois protagonistas masculinos, Clemént praticamente ignora esse viés, concentrando-se basicamente em uma quase aversão de Ripley a Philippe, em uma espécie de inveja que justifica seus atos, por mais torpes e cruéis que possam parecer à primeira vista. O Ripley de Alain Delon soa bem mais frio e calculista do que o interpretado por Matt Damon: sua ambição é mais nítida, sem ser diluída por sentimentos mais perdoáveis como o ciúme e o amor. E, por melhor ator que seja, Matt Damon jamais conseguirá ter o mesmo charme magnético de Alain Delon - e talvez por isso a versão francesa da história aposte tanto no olhar extremamente azul de Delon, combinando com a cor do mar onde se dá o clímax da trama.

"O sol por testemunha" ditou moda à época de seu lançamento, incrementando até mesmo a venda dos sapatos brancos usados por seu ator central. Atravessou gerações como um dos filmes de suspense mais charmosos e surpreendentes de seu tempo e hoje, mesmo em comparação com produções caras e repletas de astros mundialmente conhecidos, se mantém como um filme forte e atraente. Mérito da direção segura de René Clemént, da bela trilha sonora do veterano Nino Rota, da esplêndida fotografia do Mediterrâneo e da hipnotizante atuação de Alain Delon - fatores que atenuam o final quase moralista proposto pelo roteiro. Um pecadilho insignificante diante de um clássico (ainda) moderno.

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