UM
GRITO NO ESCURO (A cry in the dark, 1988, Cannon
Entertainment/Golam-Globus Produtcion, 120min) Direção: Fred Schepisi.
Roteiro: Fred Schepisi, Robert Caswell, romance "Evil angels", de John
Bryson. Fotografia: Ian Baker. Montagem: Jill Bilcock. Música: Bruce
Smeaton. Figurino: Bruce Finlayson. Direção de arte: Wendy Dickson,
George Liddle. Produção executiva: Yoram Globus, Menahem Golam.
Produção: Verity Lambert. Elenco: Meryl Streep, Sam Neil, Lauren
Sheperd, Bethany Ann Pricket, Brian James. Estreia: 03/11/88 (Austrália)
Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Meryl Streep)
Vencedora da Palma de Ouro do Festival de Cannes - Melhor Atriz (Meryl Streep)
Um
dos mais chocantes e infames casos judiciais da história australiana
chegou às telas de cinema pouco tempo depois de seu desfecho, no final
dos anos 80. Dirigido com economia de emoções por Fred Schepisi, que
optou acertadamente por um viés mais documental e menos melodramático -
talvez por acreditar que a trama em si já é forte o bastante para
precisar de mais firulas sentimentais - "Um grito no escuro" rendeu à
Meryl Streep sua oitava indicação ao Oscar e uma inédita premiação como
melhor atriz no Festival de Cannes. Nada mais justo. Como é de seu
costume, Streep entrega mais uma atuação arrebatadora - ainda que sua
personagem passe longe de ser carismática - na pele de Lindy
Chamberlain, uma mãe de família que, no início dos anos 80, viu sua vida
virar de cabeça pra baixo com a trágica morte de sua filhinha de dez
semanas.
Esposa de um pastor adventista e mãe de
família devotada, Lindy vai passar um fim-de-semana com todos - dois
meninos e a pequena Azaria - em um acampamento no deserto australiano,
frequentado por turistas e lar de aborígenes locais. Para seu desespero,
depois de colocar o bebê para dormir em uma das tendas, ela vê um dingo
(espécie de cão selvagem típico da região) carregá-lo para dentro da
mata. Apesar das buscas imediatas, a escuridão da madrugada impede a
localização tanto do animal quanto do bebê, que é dado como morto até
que suas roupinhas são finalmente encontradas repletas de manchas de
sangue. O que a princípio é estabelecido como uma tragédia sem
precedentes - afinal, até então os dingos não tinham histórico de atacar
seres humanos - logo se transforma, porém, em um caso de polícia.
Desconfiando de algumas incongruências na história contada por Lindy
(além do fato de ela mostrar-se fria o suficiente em relação à morte da
filha para detonar um ataque sem precedentes da opinião pública), a
justiça a acusa formalmente de assassinato, com a cumplicidade do
marido, Michael (Sam Neil). Sem compreender o estoicismo de Lindy - que
se ampara na fé para suportar a dor da perda - nem mesmo os dogmas de
sua religião (cercada de lendas preconceituosas pela população que a
colocam até mesmo em um ritual de magia negra), o público se encarrega
de julgar por si mesmo e fofocas e boatos tornam-se verdades absolutas.
Tal situação leva Lindy - grávida novamente na ocasião de seu julgamento
- a tornar-se alvo de severas e cruéis críticas.
Contando
com um roteiro que se dedica apenas a contar a história, sem
julgamentos de valor ou insinuações tendenciosas - apesar do desfecho se
encarregar de concluir o caso de forma sóbria e sem maiores espaços
para dubiedades - "Um grito no escuro" se mantém em um ritmo ágil,
graças ao roteiro, que põe na boca de personagens secundários toda a
gama de preconceitos e fofocas que circundaram o caso sem nunca perder
de vista o foco principal: a luta de Lindy para provar sua inocência a
despeito do tratamento quase cruel que recebeu até mesmo de pessoas que
nunca tiveram contato com ela - e de jornalistas que abusaram de sua
confiança para reiterar suas opiniões pré-estabelecidas. Meryl Streep
tira de letra o desafio de levar às telas uma personalidade tão
conflitante quanto a de Lindy Chamberlain: sem tentar buscar a simpatia
do público, a atriz (que nunca deu sua opinião a respeito do caso,
preferindo interpretá-la sem emitir qualquer julgamento) criou uma
protagonista quase fria em sua bravura, capaz de cair na gargalhada
quando agredida na rua ou demonstrar tédio em pleno julgamento, mas que
também emociona em sua fé inabalável mesmo quando tudo parece lhe estar
perdido. Caprichando no sotaque como sempre e utilizando uma sinistra
peruca negra para compor a personagem, ela rouba o filme com uma das
personagens mais difíceis de sua carreira.
Mas apesar
de sua atuação irretocável, "Um grito no escuro" é mais do que
simplesmente Meryl Streep. É também um aviso do perigo que a mídia e a
opinião pública, quando mal direcionadas, representam para a liberdade
individual. É o retrato dos males do preconceito e, acima de qualquer
coisa, um filme de primeira qualidade, capaz de prender o espectador na
cadeira até seus minutos finais sem apelar para nada mais do que um
roteiro conciso, uma direção sóbria e um elenco de atores em dias
inspirados. Pode revoltar aos mais sensíveis às injustiças, mas é quase
imperdível!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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