sexta-feira

ANNA KARENINA

ANNA KARENINA (Anna Karenina, 2012, Universal Pictures/Focus Features, 129min) Direção: Joe Wright. Roteiro: Tom Stoppard, romance de Leon Tolstoi. Fotografia: Seamus McGarvey. Montagem: Melanie Ann Oliver. Música: Dario Marianelli. Figurino: Jacqueline Durran. Direção de arte/cenários: Sarah Greenwood/Katie Spencer. Produção executiva: Liza Chasin. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Paul Webster. Elenco: Keira Knightley, Jude Law, Aaron Taylor-Johnson, Matthew Macfadyen, Domnhall Gleeson, Kelly McDonald, Olivia Williams, Alicia Vikander, Susanne Lothar, Emily Watson. Estreia: 07/9/12 (Festival de Toronto)

4 indicações ao Oscar: Fotografia, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Figurino

Poucos filmes levaram tão a sério a afirmação de William Shakespeare de que o mundo é um palco quanto a versão do cineasta Joe Wright do clássico russo “Anna Karenina”, publicado por Leon Tolstoi em 1878. Investindo em uma adaptação visualmente estilizada de um dos maiores romances da história da literatura, o diretor que já visitou Jane Austen em “Orgulho e preconceito” e Ian McEwan em “Desejo e reparação” distanciou-se das versões anteriores do livro para criar um espetáculo exuberante e opulento que trata a história de um amor adúltero na Rússia do século XIX como uma peça teatral, onde os personagens tratam de viver papéis pré-estabelecidos de acordo com as regras sociais, reprimindo seus desejos e instintos mais primitivos. Sob a visão de Wright e do roteirista Tom Stoppard – dramaturgo vencedor do Oscar por “Shakespeare apaixonado” – Anna Karenina e seus coadjuvantes são peças de um cruel jogo de aparências emoldurado por uma sociedade mais afeita às convenções do que aos reais sentimentos. Tal visão, sob a fotografia inspirada de Seamus McGarvey e embalada pela trilha sonora de Dario Marianelli, encontra eco na mais deslumbrante transposição da obra de Tolstoi para as telas. Vencedor do Oscar de melhor figurino – merecia também os prêmios de direção de arte, trilha sonora e fotografia – o “Anna Karenina” de 2012 é digno de figurar entre as melhores adaptações cinematográficas já realizadas pelo cinema por várias razões.

Primeiro porque Wright não apenas transportou a história de uma mídia para outra, como aconteceu anteriormente. Ousadamente, ele levou o livro de Tolstoi para as telas com uma escala no teatro, através de um cenário estilizado – brilhantemente executado por Sarah Greenwood e Katie Spencer – onde paredes se movem e salões de baile se transformam em estações ferroviárias, restaurantes, escritórios burocratas e aposentos domésticos, de acordo com a necessidade de cada cena. Como em um espetáculo teatral, Wright brinca com a ludicidade, editando de forma magistral suas sequências como forma de mergulhar sem reservas o espectador em sua trama. Dessa maneira, Karenin (um Jude Law maduro e roubando a cena) rasga uma carta da ex-esposa, a pica em minúsculos pedaços e a joga para cima apenas para imediatamente, tais pedaços transformarem-se em flocos de neve. E Anna (Keira Knightley, a atriz preferida do diretor, aqui em seu terceiro filme juntos) pode sair desesperadamente de sua casa e estar prontamente dentro de um trem, a caminho dos braços de seu amante. A princípio, tal artifício soa estranho ao espectador acostumado com o trivial, mas não demora muito para que ele se deixe seduzir pela beleza estonteante promovida pelo conjunto – coeso e elegante – da obra.
Outro ponto que sublinha as qualidades da adaptação de Stoppard diz respeito à opção em não tentar abraçar a obra inteira de Tolstoi – mais de 600 páginas, afinal de contas – em um único filme. Centrando sua narrativa basicamente no romance adúltero entre Anna e Vronski (Aaron Taylor-Johnson), o dramaturgo corria o risco de ser violentamente rechaçado pelos puristas, que poderiam ver na falta de interesse do roteiro nas elocubrações socialistas do escritor uma maneira de diluir a importância do livro e transformá-lo em um melodrama puro e simples. Stoppard não chega a tanto, mas diminui radicalmente os questionamentos de Liévin (Dohmnall Gleeson) a respeito da desigualdade social que grassava na Rússia imperial, utilizando o personagem quase que apenas como um observador atuante da tragédia que se desenrola à sua frente – enquanto tenta conquistar o amor da bela e ingênua Kit (Alicia Vikander bem antes de sonhar com o Oscar de coadjuvante por “A garota dinamarquesa”). Quem leu o romance sabe bem que as longas páginas gastas pelo escritor para divagar a respeito do dia-a-dia dos camponeses não caberiam em um filme romântico – se é que caberiam em algum outro gênero. Assim, Stoppard acerta em dedicar seu foco ao fatal triângulo amoroso que abalou a sociedade de São Petersburgo no final do século XVIII – ainda que por vezes algumas atitudes dos personagens soem meio abruptas e que Jude Law tenha conseguido fazer de seu Karenin alguém bem mais simpático do que no romance.

Boa parte da simpatia conquistada por Karienin vem do fato de que Law é um ator extremamente superior a Aaron Taylor-Johnson, que vive nas telas o seu rival. Mesmo com seus olhos azuis faiscando ainda mais brilhantes graças à fotografia de McGarvey e o uniforme branco com que seu Vronski desfila pelas telas, Johnson não tem a profundidade e a experiência necessárias para fazer de seu personagem alguém marcante ou forte o suficiente para justificar o amor desesperado de Anna. Bonito ele é, mas lhe falta carisma e sutileza: em muitos momentos o público fica perdido, sem saber de seus reais sentimentos em relação à amante. Enquanto isso, Law deita e rola, puxando para si a protagonização da história, transmitindo uma vasta nuance de sentimentos que acaba fazendo com que o público torça mais por ele do que pelo amante de sua mulher. Já Keira Knightley faz o que pode com uma personagem que tem em sua lista de intérpretes nomes como Greta Garbo e, mais recentemente, Sophie Marceau: limitada, ela até consegue controlar o excesso de caras e bocas que vem marcando sua carreira, mas lhe falta substância dramática para encarar uma das mais complexas e fascinantes personagens femininas da literatura mundial. É de se imaginar o que gente como Natalie Portman e Michelle Williams faria em seu lugar. Mas, dos males o menor, Knightley ao menos consegue ser suportável – coisa de que não foi capaz em “Um método perigoso”, em que quase jogou por terra o belo trabalho de Michael Fassbender como Jung.

A história, como se sabe, pode ser resumida em poucas linhas: na Rússia imperial do século XVIII, Anna (Keira Knightley), a jovem esposa de um influente político moscovita, Karenin (Jude Law), vai a São Petersburgo com a missão de tentar salvar o casamento do irmão, Stiva (Matthew McFadyen, par romântico de Knightley em “Orgulho e preconceito”), que acaba de ter seu romance com uma babá descoberto pela esposa, Dolly (Kelly McDonald). Frequentando a sociedade local, ela acaba por apaixonar-se perdidamente pelo jovem cavaleiro Vronski (Aaron Taylor-Johnson) – pretendente da irmã de sua cunhada, Kit (Alicia Vikander) – e inicia com ele um escandaloso romance extra-conjugal que a torna uma pária social e a joga contra o marido, que a ameaça tirar-lhe a guarda do único filho. Enquanto isso, Kit, sem mais esperanças de casar-se com Vronski, se deixa conquistar por Liév (Domnhall Gleeson), um jovem fazendeiro que não se deixa cativar pelo jogo de aparências das altas rodas russas.
Elegante, charmoso, visualmente deslumbrante e narrado como uma sóbria sinfonia que aos poucos vai se deixando envolver pela tragédia, “Anna Karenina” é um trabalho raro. De extremo cuidado plástico e emocional, é um dos mais fascinantes filmes de 2012 apesar de alguns pequenos pecados. Altamente recomendável para quem gosta de cinema com conteúdo.

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