MISS
VIOLENCE (Miss Violence, 2013, Faliro House Productions/Plays2place
Productions/Greek Film Center, 98min) Direção: Alexandro Avranas.
Roteiro: Alexandro Avranas, Kostas Peroulis. Fotografia: Olympia
Mytilanaiou. Montagem: Nikos Helionidis. Figurino: Despina Chimona.
Produção executiva: Christos V. Konstantakopoulos. Produção: Alexandros
Avranas, Vasilis Chrysanthopoulos. Elenco: Themis Panou, Reni Pittaki,
Eleni Roussinou, Sissy Toumasi, Kallipoi Zontanou, Chloe Bolota,
Constantinos Athanasiades. Estreia: 01/9/13 (Festival de Veneza)
O
público que conhece o cinema grego apenas através do olhar político de
Constantin Costa-Gavras, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro
de 1969 com o já clássico "Z", vai levar um choque quando assistir ao
desconfortável "Miss Violence". Aliás, não apenas ele. Seco, cru e com
uma temática francamente desagradável, o filme de Alexandro Avranas
estreou internacionalmente em Veneza e saiu do festival italiano
carregado de láureas: melhor filme euro-mediterrâneo, melhor diretor,
melhor ator (Themis Panou) e melhor filme de diretores jovens. À
primeira vista pode parecer um exagero, mas basta uma sessão do
impactante trabalho de Avranas para perceber que existe nele uma força
narrativa que justifica tal entusiasmo: dono de uma câmera silenciosa
que evita emitir qualquer julgamento moral sobre os personagens e seus
atos, o cineasta demonstra um pessimismo que imediatamente o coloca como
uma espécie de aluno de Lars Von Trier - e assim como o veterano
cineasta, já houve quem o acusasse de misoginia e sadismo. Dependendo do
tipo de espectador que você é, pode até fazer sentido, mas é reduzir um
soco no estômago em forma de cinema a uma mera discussão sexista.
A
sequência de abertura já dá uma mostra do que virá pela frente: em
plena festa que comemora seu 11° aniversário, a pequena Angeliki (Chloe
Bolota) sobe na varanda do apartamento de sua família e, com um sorriso
no rosto, se joga em direção à morte. O suicídio inesperado é tratado
como acidente por seus avós, sua mãe e seus irmãos mais jovens, que não
demoram em voltar a uma rotina simples e pouco carinhosa. O avô (Themins
Panou) trabalha como contador e não é dos funcionários mais admirados. A
avó (Reni Pittaki) pouco se faz ouvir na casa, se sujeitando à
liderança do marido e cuidando das duas filhas. A filha mais velha,
Eleni (Eleni Roussinou) tem dois filhos de pais desconhecidos e se
descobre grávida novamente. A caçula, Myrto (Sissy Toumasi) tem uma
relação de rebeldia com o pai, com quem vive em constante
desentendimento. E os dois filhos pequenos de Eleni, Alkmini (Kalliopi
Zontanou) e Philippos (Konstantinos Athanasiades), não tem a menor ideia
de todo o turbilhão de acontecimentos que os rodeiam dentro de um
universo familiar aparentemente normal.
O
roteiro de "Miss Violence" vai expondo seus trunfos aos poucos, como um
quebra-cabeças que vai sendo montado de acordo com a perspicácia do
espectador, a quem são oferecidas pistas constantes do rumo que a
história vai tomar. Através de diálogos e subtextos sutis a trama vai
lentamente mostrando todas as facetas de seus personagens, revelando-os
sob uma ótica quase documental, isenta de ênfases desnecessárias ou
artifícios narrativos. Avranas tem a coragem de ir até o fim em sua
história, sem poupar nem suas vítimas nem a plateia, que se vê
gradualmente envolvida em uma sordidez física e psicológica que apenas
as cinematografias mais ousadas conseguem atingir. Sem sensacionalismo
ou qualquer tipo de glamorização da violência, o cineasta atinge um
nervo central da sociedade ocidental - e não parece nem um pouco abalado
por isso. Logicamente seu filme é uma forma de denúncia, mas
provavelmente deve ser muito difícil ser mulher e assistir à "Miss
Violence".
Themins Panou, na pele do patriarca da
família, está soberbo. Comandando o show com o equilíbrio exato entre a
tranquilidade de um pai e avô dedicado à prole e um lado negro que só
fica totalmente claro perto do desfecho trágico e brutal, ele justifica o
prêmio ganho em Veneza, mas tem a seu lado duas ótimas companheiras de
cena que lhe dão apoio e dividem com ele os melhores momentos do filme.
Na pele da quase calada matriarca, Reni Pittaki brilha através de
olhares expressivos e silêncios reveladores, e Eleni Roussinou parece
querer pular da tela a todo momento, quase gritando por ajuda ao
espectador para quebrar o código de silêncio e violência instituído em
seu seio familiar. São essas três peças fundamentais que movimentam a
trama - que se encerra de modo ainda muito angustiante por trás da
aparente paz.
Triste, chocante e indesejavelmente
realista, "Miss Violence" não é um filme para qualquer um. Mas aqueles
que gostam de sair perturbados de uma sessão não podem deixar de
assistir.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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