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O TEMPO E O VENTO

O TEMPO E O VENTO (O tempo e o vento, 2013, Nexus Cinema e Vídeo/Globo Filmes, 115min) Direção: Jayme Monjardim. Roteiro: Tabajara Ruas, Letícia Wierzchowski, romance de Érico Veríssimo. Fotografia: Affonso Beato. Montagem: Gustavo Giani. Música: Alexandre Guerra. Direçõ de arte: Tiza de Oliveira. Produção executiva: Rita Buzzar. Produção: Rita Buzzar, Jayme Monjardim, Beto Rodrigues. Elenco: Fernanda Montenegro, Thiago Lacerda, Marjorie Estiano, Cléo Pires, Janaína Kremer Motta, José de Abreu, Marat Descartes, Paulo Goulart, Vanessa Lóes, Luiz Carlos Vasconcelos, Suzana Pires, Zé Adão Barbosa. Estreia: 20/9/13

Um dos maiores clássicos da literatura brasileira, "O tempo e o vento", escrito por Érico Veríssimo, é uma saga épica em cinco volumes que conta a história do Rio Grande do Sul através dos dramas da família Terra Cambará. Desenvolvido em três livros - "O Continente", "O Retrato" e "O Arquipélago" - o romance de Veríssimo inspirou uma minissérie global em 1985 (estrelada por Tarcísio Meira e Glória Pires) e dois filmes nos anos 70 - "Ana Terra" e "Um certo Capitão Rodrigo" - sempre concentrando o roteiro no primeiro volume, que narra as origens do clã e sua inimizade com uma família rival, os Amaral. A ambiciosa e desnecessária versão cinematográfica cometida por Jayme Monjardim (oriundo da televisão, conforme seus vícios de narrativa deixavam bem claro em seu primeiro longa, "Olga") não faz diferente, mas nem mesmo esse foco específico a impede de soar apressada e superficial. Feito em parceira com a Globo Filmes, o filme de Monjardim fica indeciso entre ser um épico grandioso para a telona ou um produto televisivo - o fato de ter sido apresentado em formato de minissérie quatro meses depois de sua estreia no cinema apenas confirma sua sina esquizofrênica. Tivesse optado por um tratamento para o público de casa Monjardim poderia ter realizado uma obra-prima. Como cinema, não alcança nem metade das notas a que se propõe, graças a uma série de escolhas equivocadas que comprometem todo o resultado final.

O primeiro erro surge no roteiro, o que não deixa de ser decepcionante, já que seus autores são dois respeitados escritores gaúchos, Tabajara Ruas (autor de "Netto perde sua alma") e Letícia Wierzchowski (que escreveu o romance "A casa das sete mulheres"): superficial e óbvia, a adaptação não encanta, deixa fatos no ar e, erro dos erros, apela para uma narração em off que muitas vezes nem sentido faz, já que a história é contada para um dos personagens principais - que participou de muitos dos fatos mostrados. Com essa base frágil e uma edição pouco inovadora que nada acrescenta em termos dramáticos, a história surge diante dos olhos do espectador valorizada pela extraordinária fotografia de Affonso Beato - que usa e abusa de longos planos do horizonte e belíssimos crepúsculos - e uma produção caprichada que disfarça os inúmeros defeitos de um filme que muito promete e pouco cumpre. O problema de roteiro é tão óbvio - e as intenções de transformar o filme em minissérie tão evidentes - que um dos segmentos do livro, "A Teiniaguá", ficou de fora da versão para os cinemas (seus personagens são apenas citados pela narradora nas cenas finais, de forma quase constrangedora). Essa falta de comprometimento com a forte história criada por Veríssimo e com o público, que vê a trama esvaziar-se repentinamente, sem um clímax e, pior ainda, sem emoção, talvez seja o pior defeito de "O tempo e o vento". Mas existem outros, tão sofríveis quanto.

Apesar de ser uma escolha óbvia, Fernanda Montenegro sobressai-se soberana no elenco escalado por Jayme Monjardim, que inclui erros crassos - Cleo Pires no papel que foi de sua mãe, Gloria, na minissérie de 1985 chega a ser preguiçoso - e acertos admiráveis - Thiago Lacerda constrói um Capitão Rodrigo convincente apesar da memória afetiva sempre compará-lo com Tarcísio Meira e com sua própria atuação como Giuseppe Garibaldi em "A casa das sete mulheres" e Marjorie Estiano é uma atriz competente o bastante para segurar uma Bibiana jovem sem temer dividir a personagem com Montenegro. Mas não deixa de ser estranho perceber que, em uma obra cujos personagens femininos são tão fortes e marcantes, pouco espaço tenha sido dado às atrizes. Quando o filme acaba, é o Rodrigo Cambará de Thiago Lacerda que fica na mente do espectador e não Ana Terra, Bibiana e Luzia - criadas com força e sensibilidade por Érico Veríssimo e destroçadas por um roteiro que parece não saber exatamente a história que quer contar. Tudo bem, é difícil condensar em apenas duas horas (nesse caso até seria compreensível estender a duração para uns bons trinta minutos a mais) uma saga repleta de personagens interessantes e desdobramentos históricos, mas será então que não seria melhor escolher um foco e concentrar-se nele? Por que não um filme contando apenas o romance de Ana Terra e Pedro Missioneiro? Ou a história de amor entre Capitão Rodrigo e Bibiana? Ou o cerco ao sobrado de Licurgo ao final da Revolução Farroupilha? Ao tentar abarcar todas essas histórias, a produção acaba não dando conta satisfatoriamente de nenhuma delas.





Se não, vejamos: a trama começa nos estertores finais da Guerra dos Farrapos, que contrapunha os defensores da República e aqueles que exigiam a separação do Rio Grande do Sul do resto do país. No povoado de Santa Fé, o sobrado da família Terra Cambará está cercado por inimigos, mas o líder do clã, Licurgo (Marat Descartes), se recusa a render-se, mesmo sabendo que não resta mais comida e água para ele, seus companheiros e as mulheres da família - o que inclui sua mulher em trabalho de parto e sua avó, Bibiana (Fernanda Montenegro), que, ao receber a visita do espírito do amor de sua vida, seu marido Rodrigo Cambará (Thiago Lacerda), passa a relembrar todos os acontecimentos que os levaram até ali. Através de sua narração, o espectador é levado a conhecer a história de amor entre sua avó Ana Terra (Cleo Pires) com o índio Pedro Missioneiro (Martin Rodriguez), que deu origem à família que adotou o nome Cambará com a chegada do misterioso Capitão Rodrigo, que casou-se com Bibiana (Marjorie Estiano) mesmo contra a vontade dos pais dela. Mulheres voluntariosas que não encontram na tela a força que tem nas páginas do livro.

Mas então "O tempo e o vento" é um lixo completo? Não, claro que não. Opulento e tecnicamente impecável, é uma produção que visualmente não deixa nada a dever a quem está acostumado com o cinemão comercial americano, e Fernanda Montenegro é sempre um prazer. Quem não se importar com as falhas na narrativa - e aqueles que nunca leram os livros ou não sabem a história através de outros meios - pode até encantar-se com alguns momentos. Mas é difícil gostar de um filme que não sabe aproveitar as diversas possibilidades de uma obra tão rica quanto a de Érico Veríssimo, preferindo o caminho mais fácil ao invés de ousar ou simplesmente ser fiel à verdade da história (qual o motivo, por exemplo, de Ana Terra ter apenas um irmão no filme? Economia?) No final das contas, Monjardim deixa uma série de perguntas não-respondidas, no filme e fora dele. E isso não pode ser considerado um elogio. Assim como aconteceu com "Olga", ele fez do que poderia ser um grande filme apenas mais um produto televisivo que chegou às telas grandes. Desperdício de dinheiro, de história e de talentos. Uma pena!

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