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DUELO AO SOL

DUELO AO SOL (Duel in the sun, 1946, Selznick International Pictures, 129min) Direção: King Vidor. Roteiro: David O. Selznick, inspirado no romance de Niven Busch, adaptado por Oliver H. P. Garrett. Fotografia: Lee Garmes, Ray Rennahan, Hal Rosson. Música: Dimitri Tiomkin. Figurino: Walter Plunkett. Direção de arte/cenários: J. McMillan Johnson/James Basevi. Produção: David O. Selznick. Elenco: Jennifer Jones, Gregory Peck, Joseph Cotten, John Huston, Lillian Gish, Lionel Barrymore, Herbert Marshall. Estreia: 29/12/46

2 indicações ao Oscar: Atriz (Jennifer Jones), Atriz Coadjuvante (Lillian Gish)

Dinheiro não era problema: os constantes atrasos nas filmagens, a contratação (e demissão de sete diferentes diretores), as interferências diretas do produtor e o marketing agressivo ao custo então assombroso de dois milhões de dólares deixavam isso bem claro. A qualidade dramática também não parecia incomodar: cenas eram escritas e reescritas constantemente, e até mesmo refilmadas, mesmo que isso distanciasse a trama do romance original, escrito por Niven Busch. E as ambições eram bem exageradas: repetir o sucesso internacional (de crítica e público) de "... E o vento levou", lançado sete anos antes e imediatamente alçado à condição de clássico. Porém, nem sempre as coisas saem como o previsto, especialmente em Hollywood, e "Duelo ao sol" acabou se tornando mais lembrado por seus excessos (inúmeros) do que por suas qualidades (poucas, e nem sempre redentoras). Produzido por David O. Selznick no ápice de seu vício em anfetaminas e sofrendo de um sério problema dramático (a falta de carisma dos personagens centrais), o filme marcou época - foi um relevante êxito comercial, principalmente como resultado de sua farta campanha promocional e influenciou cineastas como Martin Scorsese e Pedro Almodóvar -, mas, visto sob uma ótica contemporânea, tem contornos escandalosamente machistas e racistas que nem mesmo a espetacular fotografia em Technicolor consegue amenizar.

Na verdade, o filme, oficialmente dirigido por King Vidor, sofre de uma séria tendência ao melodrama, com um enredo que poderia facilmente ser confundido com o de uma telenovela mexicana (não fosse tão eivado de preconceito racial): logo nas primeiras cenas, a protagonista, Pearl Chavez (Jennifer Jones em uma caracterização equivocada e excessivamente "étnica") praticamente testemunha o assassinato de sua mãe, morta por seu próprio pai quando flagrada com um amante. Depois da execução de seu pai, Pearl é mandada aos cuidados de uma prima distante, Laura Belle (a veterana Lillian Gish em seu único desempenho indicado ao Oscar). Laura vive em uma fazenda com o marido, o senador Jackson McCanles (Lionel Barrymore), e os dois filhos, de personalidades totalmente opostas: o caçula, Jesse (Joseph Cotten), acaba de terminar a faculdade de Direito, é educado, gentil e cavalheiresco; por sua vez, o mais velho, Lewton (Gregory Peck), é violento, bruto e pouco afeito a regras sociais. Ambos se sentem atraídos pela beleza selvagem de Pearl, mas, apesar de prezar a amizade de Jesse, ela acaba não resistindo a Lewton, com quem inicia uma relação baseada em sexo e quase obsessão - um relacionamento que não apenas irá contrapor os dois irmãos, mas também abalar todo o alicerce familiar.


Na pele de Pearl Chavez, a esposa de Selznick, Jennifer Jones, tem uma atuação que beira o exagero, apesar de ter sido indicada ao Oscar de melhor atriz. Assumindo o papel que seria de Teresa Wright - que saiu do projeto por estar grávida -, Jones acabou virando um dos focos do produtor, que via no filme a chance de oferecer a ela o mais emblemático trabalho de sua carreira (a despeito de Jones já ter uma estatueta em casa, por "A canção de Bernadette", de 1943). Para torná-la ainda mais atraente, Selznick chegou ao extremo de contratar o veterano diretor Joseph von Sternberg apenas para cuidar do visual da produção (leia-se da própria Jennifer). Não ajudou muito. Apesar de algumas sequências fotografadas com um Technicolor de ferir os olhos - especialmente crepúsculos e vastas paisagens -, "Duelo ao sol" não consegue deixar de ser extremamente cafona a maior parte do tempo, desde a concepção dos personagens até a plasticidade perceptivelmente kitsch dos cenários e figurinos. Gregory Peck, no auge da juventude, faz o que pode com um personagem francamente detestável, e só mesmo a ótima Butterfly McQueen (a Prissy de "... E o vento levou") para conseguir arrancar um pouco de humor do roteiro - ainda que faça praticamente o mesmo papel que fez no clássico de 1939.

Mas o pior de tudo é perceber como o roteiro trata de temas polêmicos sem a menor preocupação com o politicamente correto - termo longe de ser conhecido nos anos 1940. Não é que "Duelo ao sol" ignore todas as convenções: ele simplesmente faz questão de apresentá-las sob uma ótica de normalidade (o que, à época, poderia até não chocar ninguém, mas hoje em dia é absolutamente desprezível). No roteiro não faltam menções preconceituosas a respeito de indígenas (a protagonista é frequentemente tratada como "mestiça", em tom pejorativo) e imigrantes; a forma como Lewt trata Pearl é agressiva - a primeira noite de sexo entre eles é claramente um estupro - e, o que é pior, a trama é conduzida de modo a fazer o público torcer pelo romance abusivo (a ponto de Pearl apaixonar-se por ele justamente pelo jeito que ele a trata). Os atos de Lewt não são os atos de um homem apaixonado defendendo a mulher que ama, e sim o de um proprietário cuidando do que possui, uma mercadoria que precisa estar sempre a sua disposição. Sem disfarçar tais elementos francamente absurdos, o roteiro ainda peca por ser superficial e desnecessariamente longo, em mais uma tentativa de criar uma embalagem de épico para um filme que, apesar de ter seus fãs, é um dos mais discutíveis clássicos da velha Hollywood.

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