quarta-feira

LAURA

LAURA (Laura, 1944, 20th Century Fox, 88min) Direção: Otto Preminger. Roteiro: Jay Dratler, Samuel Hoffenstein, Elizabeth Reinhardt, romance de Vera Caspary. Fotografia: Joseph LaShelle. Montagem: Louis Loeffler. Música: David Raskin. Figurino: Bonnie Cashin. Direção de arte/cenários: Leland Fuller, Lyle Wheeler/Thomas Little. Produção: Otto Preminger. Elenco: Gene Tierney, Dana Andrews, Clifton Webb, Vincent Price, Judith Anderson. Estreia: 11/10/44

5 indicações ao Oscar: Diretor (Otto Preminger), Ator Coadjuvante (Clifton Webb), Roteiro Adaptado, Fotografia em preto-e-branco, Direção de Arte/Cenários em preto-e-branco
Vencedor do Oscar de Fotografia em preto-e-branco 

A carreira do cineasta Otto Preminger ficou marcada eternamente pelo filme "Laura", um dos pilares do que é hoje conhecido como cinema noir hollywoodiano. Indicado ao Oscar por seu trabalho, porém, ele por pouco não ficou restrito ao cargo de produtor. Graças a conflitos internos dentro da própria indústria - mais precisamente com o chefão da 20th Century Fox, o poderoso Darryl F. Zanuck -, Preminger estava com a carreira em compasso de espera quando convenceu o estúdio a prestar atenção em um livro da escritora Vera Caspary, uma trama policial contada sob o ponto de vista de cinco personagens e que tinha grande potencial de transformar-se em um excelente filme. Zanuck, com quem ele tinha uma rusga que vinha desde sua substituição nas filmagens de "Raptado" (1938) e que havia jurado que ele nunca mais dirigiria um filme na Fox enquanto ele estivesse no comando, seguiu seu conselho, garantiu os direitos do romance - mas, conforme o prometido, não lhe ofereceu a direção. Preminger podia até produzir "Laura", mas o diretor seria Rouben Mamoulian. Preminger se conformou (relativamente) com o fato, mas não perdeu as esperanças. Até que finalmente os ventos começaram a soprar em seu favor.

Logo que as primeiras imagens feitas por Mamoulian chegaram a Preminger ele imediatamente percebeu que havia algo errado: notando erros na concepção visual do cineasta, nas interpretações e na condução geral do filme, ele buscou apoio justamente em Zanuck - que concordou com suas observações e exigiu refilmagem de tudo que havia sido feito até então. Quando os ajustes se provaram ainda piores do que as cenas originais, no entanto, o chefão da Fox fez o que Preminger tanto esperava: demitiu Mamoulian e permitiu que ele finalmente assumisse o posto de diretor. Realizado, o novo comandante entrou em cena com a missão de recuperar as duas semanas perdidas - e o fez em grande estilo. Substituiu o diretor de fotografia (Lucien Ballard por Joseph LaShelle), alterou figurinos e cenários - incluindo a pintura da protagonista, feita pela esposa de Mamoulian - e direcionou sua atenção aos atores e seus personagens. Preminger sentia que entendia melhor os personagens do que Mamoulian - que, segundo ele, não conhecia pessoas como as retratadas no filme (leia-se pouco confiáveis e/ou agradáveis). Preminger sabia que seus personagens não eram exemplos de boa conduta, tampouco eram boas pessoas - e tinha certeza de que essa era uma das maiores qualidades do roteiro, e uma das chaves para seu sucesso no gênero, então dando seus primeiros passos no imaginário popular.


E é o imaginário um ponto crucial em "Laura": sua protagonista é, em boa parte da narrativa, a soma de várias versões, de várias abstrações, de pontos de vistas conflitantes e/ou complementares. Laura Hunt (Gene Tierney) é uma bela e sedutora publicitária, cujo violento assassinato dá início ao filme: com o objetivo de desvendar o homicídio aparentemente gratuito - a vítima foi morta com um tiro de espingarda no rosto -, o detetive Mark McPherson (Dana Andrews) é obrigado a tomar contato com o universo sofisticado e quase fútil que a cercava. Isso inclui seu noivo, Shelby Carpenter (Vincent Price), a socialite Ann Treadwell (Judith Anderson) e o colunista Waldo Lydecker (Clifton Webb) - principal fonte de informações a respeito dos últimos dias de vida da morta, por quem nutria um sentimento indisfarçável de posse. Enquanto busca descobrir os motivos que levaram ao crime (e separa as verdades das mentiras contadas pelos suspeitos), McPherson acaba apaixonado por Laura, que exerce sobre ele um incômodo fascínio, seja através dos depoimentos ou devido a um hipnotizante retrato da jovem, que enfeita sua sala de estar. Com as cartas já expostas na mesa e a investigação em andamento, porém, um fato novo joga tudo em uma nova perspectiva: o retorno de Laura, que reaparece para surpresa de todos - e passa a fazer parte dos candidatos a assassino.

Grande sucesso popular em seu lançamento - em especial a bela música-tema, composta por David Raskin - e cultuado continuamente pela crítica, "Laura" é, na verdade, um filme que tinha tudo para dar errado. Dos problemas com a troca de direção (e suas subsequentes substituições em cargos-chave) até os atritos entre Otto Preminger e Darryl F. Zanuck (que insistia em impor sua vontade em alguns pontos, sempre perdendo para o diretor), tudo apontava para um resultado no mínimo duvidoso. A escalação do elenco - ainda no início do projeto - já dava mostras do que vinha pela frente: o papel-título, cobiçado por Marlene Dietrich, foi oferecido a Rosalind Russell e recusado (a atriz considerou-o pequeno); Zanuck queria sua mulher, Jennifer Jones, mas Preminger, na prerrogativa de produtor, preferiu Gene Tierney, que acabou marcada para sempre por seu desempenho etéreo e dúbio. E Clifton Webb, que chegou a ser indicado ao Oscar de coadjuvante por sua volta ao cinema depois de dezenove anos, não era nem de longe a escolha do chefão Zanuck, que temia que o fato do ator ser homossexual assumido comprometesse o desempenho do filme nas bilheterias - uma falácia sem tamanho, uma vez que Webb é um dos pilares de "Laura" e dono de alguns de seus melhores diálogos. Construído de forma eficiente e intrigante, "Laura" se beneficia do clima de mistério imposto pelo cineasta e pela bela fotografia (premiada pela Academia), além de envolver a plateia em uma trama que surpreende sem soar inverossímil e conquista pela elegância que transmite apesar da podridão que esconde debaixo dos caros tapetes de seus protagonistas. Um clássico eterno e justificado!

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