sábado

MONSTROS

MONSTROS (Freaks, 1932, MGM Pictures, 70min) Direção: Tod Browning. Roteiro: Willis Goldbeck, Leon Gordon, inspirado na estória "Spurs", de Tod Robbins. Fotografia: Meritt B. Gerstad. Montagem: Basil Wrangell. Direção de arte: Cedric Gibbons, Merryll Pye. Produção: Tod Browning, Harry Rapf, Irving Thalberg. Elenco: Olga Baclanova, Henry Victor, Harry Earles, Daisy Earles, Wallace Ford, Leila Hyams, Roscoe Ates, Rose Dione, Daisy Hilton, Violet Hilton. Estreia: 12/02/32

Um filme que foi proibido por mais de trinta anos na Inglaterra, que foi banido na Austrália e nunca chegou a ser exibido em alguns estados norte-americanos devido a seu conteúdo dito "ofensivo". Um filme que quase fez seu estúdio, a MGM, sofrer um processo de uma espectadora que alegava ter sofrido um aborto espontâneo durante uma sessão. Um filme que teve sua metragem original de 90 minutos mutilada por imposição dos produtores depois de desastrosas pré-estreias. Uma filme que surgiu do desafio de se realizar uma produção ainda mais assustadora que um dos grandes sucessos do ano anterior, "Frankenstein", dirigida por James Whale para a Universal Pictures. Um filme que, mesmo quase cem anos depois do seu lançamento ainda consegue ser perturbador e incômodo mesmo diante de outras produções bem mais caras e recheadas de efeitos pirotécnicos. Este é "Monstros", o primeiro filme dirigido por Tod Browning após seu inesquecível "Drácula" (estrelado por Bela Lugosi em 1931) - e aquele responsável por apressar o final de sua carreira, encerrada precocemente em 1939. É, também, um dos filmes mais corajosos já realizados em Hollywood (mesmo que quase por acidente).

Não há uma versão definitiva para explicar como o livro "Spurs", escrito por Tod Robbins, foi parar nas mãos do cineasta Tod Browning. Uma teoria diz que foi o então diretor de arte do estúdio, o premiadíssimo Cedric Gibbons, amigo de infância do escritor, quem convenceu a MGM a comprar os direitos do romance (pelo valor de oito mil dólares). Já outra história afirma que foi o ator Harry Earles que o mostrou a Browning durante as filmagens de "A trindade maldita" (1925), com o interesse de participar do projeto. Seja qual for a verdade, o fato é que Earles acabou por entrar na adaptação, na pele de um dos protagonistas, e o produtor Irving Thalberg teve que reconhecer, ao ler o roteiro de Willis Goldbeck, que realmente o filme tinha tudo para superar, em termos de horror, o bem-sucedido "Frankenstein". Logicamente, ele nem de longe poderia supor os problemas que viriam pela frente, já durante as filmagens e na ocasião da estreia de seu novo projeto. Ao optar por realizar uma obra com o máximo de realismo possível, Tod Browning - voltando à MGM depois de ser emprestado à Universal e assinar "Drácula" - resolveu que não mediria esforços para tal. Impossibilitado de contar com Myrna Loy, sua primeira opção para o papel central (assim como outras escolhas, como Victor McLaglen e Jean Harlow, todos assustados com o teor da trama), o diretor escolheu a russa Olga Baclanova como protagonista. Quando foi apresentada a seus colegas de cena, porém, até mesmo a atriz teve dúvidas sobre o que estava em vias de começar: na sua frente estavam anões, uma mulher barbada, gêmeas siamesas, um grupo de atores com microcefalia, um homem sem braços e pernas, mulheres que comiam com os pés porque não tinham braços e toda sorte do que se poderia chamar de "aberrações". Quando Browning assumiu o projeto, ele falava realmente sério quando afirmava que buscaria o realismo: todo o elenco de apoio vinha de circos e shows que exploravam tais pessoas - daí a gritaria em torno de sua estreia.


Quando "Monstros" finalmente ficou pronto, foi impossível cancelar uma pré-estreia, marcada para o final de janeiro de 1932, mas Irving Thalberg não estava nada feliz com o resultado da ousadia de Browning e prometeu reeditar o filme antes de uma estreia oficial. O resultado de tal ameaça surtiu efeito contrário, e filas imensas se formaram diante do cinema em San Diego, com o público ansioso por assistir à produção antes que ela fosse mutilada. Parecia que esses espectadores sabiam o que viria pela frente: não apenas o filme perdeu quase vinte minutos em sua nova versão como  teve um final feliz acrescentado na marra e nunca mais seria exibido de acordo com os desejos de seu diretor. Isso não o impediu, no entanto, de transformar-se, com o passar do tempo, em um cult movie. Tido como um dos mais bizarros filmes já realizados dentro do sistema de estúdios de Hollywood, "Monstros" é, ao mesmo tempo, uma severa crítica à forma como os tais freaks do título original são vistos e tratados pela sociedade. É nítida a visão mais simpática a eles do que aos "normais", retratados no filme como preconceituosos, gananciosos e sem caráter. Browning imprime uma aura mais melancólica do que assustadora a seus personagens - mas é compreensível que, em plenos anos 1930, quando o cinema tinha astros como Clark Gable e Greta Garbo brilhando nas telas, uma produção que tivesse como protagonista um casal de anões e seus amigos "diferentes" só pudesse mesmo causar escândalo e polêmica.

A controvérsia em torno de "Monstros" foi tanta que sobrou até mesmo para Tod Browning: antes considerado um trunfo para o estúdio (que o viu realizar seu "Drácula" sob empréstimo para a Universal), o cineasta acabou prejudicado por seu entusiasmo em fazer a diferença. Com medo de suas ousadias criativas, a MGM nunca mais lhe concedeu a liberdade artística necessária para que fizesse um filme à sua maneira, até que ele aposentou-se, em 1939. Por essa época, "Monstros" ainda era considerado um filme maldito - e seus atores, que escandalizavam os funcionários do estúdio durante as filmagens e deixaram o sucesso subir às cabeças, voltaram ao ostracismo. Foi somente na década de 1960 que ele acabou sendo redescoberto (e finalmente exibido na Inglaterra) e elevado à categoria de clássico do horror (apesar das tentativas de Louis B. Mayer, dono da MGM, em cancelar o projeto antes mesmo do começo das filmagens). Hoje em dia o que menos importa é sua trama - um grupo de aberrações circenses tramando uma vingança contra uma trapezista que os humilhou e tentou envenenar um deles por dinheiro - e mais seu status como uma das produções mais inacreditáveis e ousadas da velha Hollywood. Um filme imprescindível e inesquecível!

Nenhum comentário:

VAMPIROS DO DESERTO

VAMPIROS DO DESERTO (The forsaken, 2001, Screen Gems/Sandstorm Films, 90min) Direção e roteiro: J. S. Cardone. Fotografia: Steven Bernstein...