JEJUM DE AMOR (His Girl Friday, 1940, Columbia Pictures, 92min) Direção: Howard Hawks. Roteiro: Charles Lederer, peça teatral "The front page", de Ben Hecht, Charles MacArthur. Fotografia: Joseph Walker. Montagem: Gene Haylick. Música: Sidney Cutner, Felix Mils. Figurino: Robert Kalloch. Direção de arte: Lionel Banks. Produção: Howard Hawks. Elenco: Cary Grant, Rosalind Russell, Ralph Bellamy, Gene Lockhart, Porter Hall, Ernest Truex, Helen Mack. Estreia: 11/01/40
Em 1929, a peça teatral "A primeira página", de Ben Hecht e Charles MacArthur, estreou na Broadway, onde fez enorme sucesso em quase 300 apresentações. Dois anos mais tarde, sua adaptação, dirigida por Lewis Milestone e produzida por Howard Hughes chegou aos cinemas e concorreu a três importantes Oscar (melhor filme, diretor e ator, para Adolphe Menjou). Seu êxito parecia afirmar que a trama - uma crítica corrosiva aos bastidores do jornalismo, mas ainda assim dotada de certo tom carinhoso - já estava muito bem representada em Hollywood por, no mínimo, algumas gerações. Mas, uma noite, em um jantar oferecido em sua casa, o cineasta Howard Hawks descobriu, por acaso, que havia ainda uma outra maneira de apresentar o enredo ao público. Com os direitos comprados de Hughes e a certeza de ter uma ideia brilhante em mãos, deu início à produção de "Jejum de amor" - e acrescentando, ao roteiro, um inesperado (e até então) inexistente toque romântico. Ao alterar o gênero de um dos dois protagonistas e adicionar uma camada extra de complexidade à sua relação, Hawks pegou público e crítica de surpresa - e, com o mesmo Cary Grant de seu "Levada da breca" (1938), adicionou mais um êxito comercial à sua bem-sucedida carreira de realizador.
Não é difícil entender porque "Jejum de amor" é considerado por Quentin Tarantino um de seus filmes prediletos: enquanto a média de palavras em um diálogo normal é de 90 por minuto, no filme de Hawks o número salta para impressionantes 240. A responsabilidade por tal diferença pode ser creditada à coragem de Hawks em incentivar o elenco a falar com mais naturalidade - não se esperava mais que um personagem parasse de falar para que outro começasse, por exemplo. Tal novidade não apenas desafiava as normas de até então, mas também complicou (e muito) a vida dos responsáveis pela gravação do som, que precisaram aprender a lidar, de uma hora para outra, com uma técnica de utilização de vários microfones na mesma cena. Logicamente esse transtorno se refletiu em atraso nas filmagens (relativamente curto) e em certo choque na plateia, acostumada a um ritmo menos intenso de palavras. O susto, porém, não atrapalhou o desempenho do filme, que tornou-se uma espécie de pioneiro e abriu as portas para roteiros menos formais - especialmente em comédias verbais, um dos gêneros mais populares da época.
Na verdade, a trama romântica quase eclipsa a crítica ao jornalismo sensacionalista que é o cerne da peça teatral. Ao colocar como protagonistas um ex-casal não exatamente disposto a abrir mão um do outro - e de sua bem-sucedida parceria profissional - o roteiro abre espaço para um tom menos agressivo e mais amplo, em termos de alcance de um público maior. Tal alteração também mexeu com os produtores de elenco em Hollywood. Depois da recusa de Jean Arthur e Ginger Rogers (que se arrependeu da decisão quando soube da escalação de Cary Grant no papel masculino), vários nomes foram cogitados para enfeitar o cartaz, entre as quais a inesperada Joan Crawford, Claudette Colbert e a parceira constante de Grant, a ótima Irene Dunne. A escolha final, Rosalind Russell, não era nem de longe a preferida do diretor (que queria Carole Lombard, mas desistiu da ideia por desacerto salarial), mas, emprestada da MGM, Russell mostrou-se extremamente eficiente e à altura de contracenar com um astro da estatura de Cary (que, aliás, também não foi a primeira opção, ficando com o papel para o qual haviam sido considerados Clark Gable e Bob Hope): mesmo que não surjam faíscas entre os dois personagens principais, Russell acaba por se destacar graças a um roteiro que, em determinado ponto, parece esquecer-se do Walter Burns interpretado pelo galã para dedicar-se às desventuras de sua Hildy Johnson na sua busca por um furo de reportagem.
A trama é simples e quase infantil: a talentosa Hildy Johnson (Rosalind Russell) procura seu ex-marido, Walter Burns (Cary Grant), editor do jornal The Morning Post, para avisá-lo de que está em vias de se casar novamente, dessa vez com o playboy Bruce Baldwin (Ralph Bellamy). Seu casamento, logicamente, a fará dedicar-se à vida doméstica e abandonar de vez o jornalismo, ofício pelo qual sempre foi apaixonada. Certo de que ainda ama a ex-mulher e que precisa dela também como repórter de seu jornal, Burns aproveita a comoção popular em torno da condenação à morte de um homem acusado de matar um policial para provocar o instinto profissional de Hildy. Enquanto ela tenta resistir ao impulso de cobrir a história - repleta de lances melodramáticos explorados à exaustão pela mídia -, seu noivo acaba por cair em uma série de armadilhas provocadas por Burns para impedir o casamento. Com esse enredo simples, "Jejum de amor" se baseia basicamente no carisma de seus atores, na direção inspirada de Howard Hawks e na revolução que provocou som sua forma de narrativa, moderna e ágil. É uma comédia romântica clássica, mas que evita o sentimentalismo e aposta mais no humor do que no amor. Talvez não seja a melhor comédia dos envolvidos, mas é um passatempo agradável e dos mais simpáticos.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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