segunda-feira

ENCURRALADO

ENCURRALADO (Duel, 1971, Universal Television, 90min) Direção: Steven Spielberg. Roteiro: Richard Matheson. Fotografia: Jack A. Marta. Montagem: Frank Moriss. Música: Billy Goldenberg. Direção de arte/cenários: Robert S. Smith/S. Blydenburgh. Produção: George Eckstein. Elenco: Dennis Weaver, Jacqueline Scott. Estreia: 10/11/71

Quando ficou internacionalmente famoso, com seu avassalador "Tubarão" (75), Steven Spielberg foi unanimemente louvado por sua inteligência em esconder o grande vilão do filme até quase seu final, aumentando a tensão do público exatamente pelo poder da sugestão. O fato é que o cineasta optou por tal caminho não por vontade própria, mas porque o tubarão mecânico construído para o filme não funcionava de jeito nenhum e arriscava tornar o suspense uma comédia involuntária. O que as pessoas também não sabiam, à época de seu lançamento, é que o mesmo Spielberg já havia utilizado de artifício semelhante (mas aí assim como opção consciente) em uma obra realizada quatro anos antes e que só chegou às telas de cinema pela confiança dos executivos da Universal Pictures no material. Filmado inicialmente como um telefilme e posteriormente estendido por mais 16 minutos em ordem de alcançar os 90 minutos de duração, "Encurralado" foi o primeiro trabalho do diretor a estrear no cinema (fora dos EUA, onde ele estreou apenas na televisão), mas, apesar das críticas positivas, não chegou a ser um sucesso de bilheteria, tornando-se cult apenas depois do êxito impressionante das produções posteriores de Spielberg. E já no começo da carreira, o mais bem-sucedido diretor de todos os tempos mostrava que sabia como ninguém utilizar os mecanismos do cinema para manipular a emoção do público.

Se em "Tubarão" o espectador fica roendo as unhas na expectativa de finalmente conhecer o vilão do filme - que só dá as caras e os dentes no terço final -, em "Encurralado" o mistério envolvendo o violento antagonista é ainda mais eficiente e aterrorizante. Que o público não espere ver um personagem caricato ou estereotipado atrás do volante do caminhão que tortura o protagonista, vivido por Dennis Weaver: para Spielberg não importa a cara do perigo e de onde ele vem - mas apenas os efeitos que ele causa dentro e fora das telas. Filmado em apenas doze dias (com um acréscimo de outros quatro para cenas extras para o lançamento nos cinemas), "Encurralado" é um exemplo perfeito das habilidades de seu criador, tanto em termos logísticos quanto artísticos. Desde então, Spielberg tornou-se mestre em economizar tempo e dinheiro em suas produções - e fazer delas entretenimento dos mais competentes, com um padrão de qualidade que foi se avolumando com o tempo até chegar a obras-primas, desde as mais divertidas (a trilogia Indiana Jones e o primeiro "Jurassic Park", de 1993), até as mais sérias, como "A lista de Schindler" (1993) e "O resgate do soldado Ryan" (1998), que finalmente lhe renderam o Oscar. Dotado de ritmo e um excelente timing de suspense, "Encurralado" é daqueles filmes de grudar na poltrona até o minuto final - e apesar de soar datado em vários momentos, funciona incrivelmente bem até mesmo hoje, quando efeitos especiais parecem muito mais importantes do que talento narrativo.


Indicado ao Golden Globe de melhor filme feito para a TV, "Encurralado" tem uma trama simples e uma economia de personagens e diálogos que chega a ser fascinante. O protagonista, David Mann (em papel que chegou a ser considerado para um então iniciante chamado Dustin Hoffman mas que acabou nas mãos de Dennis Weaver, da série de televisão "Gunsmoke"), é um homem comum, o empregado de uma empresa de vendas que precisa atravessar as estradas da Califórnia para um encontro de negócios. O que parecia uma viagem tediosa e absolutamente trivial se transforma em um pesadelo real, porém, quando Mann resolve ultrapassar um caminhão que, à sua frente, parece não ter nenhuma pressa em seu caminho. Tomando a ultrapassagem como ofensa pessoal, o motorista do caminhão começa então um jogo de nervos com seu rival - um perigoso jogo, que, num crescendo de violência e opressão, logo se transforma em uma luta de vida ou morte. Em pânico, Mann (que não consegue nem mesmo vislumbrar a aparência do caminhoneiro), percebe que só fugir não basta: ele também precisa atacar, mesmo que suas condições sejam menos vantajosas.

Spielberg usa e abusa de artifícios narrativos simples, mas que se mostram extremamente eficientes no resultado final. Optando por esconder (do protagonista e do público) o rosto do motorista do caminhão, ele transforma o próprio veículo em um monstro a ser vencido - não à toa, o cineasta escolheu um modelo (Peterbilt) cuja visão se assemelha a um rosto. Representando o espectador comum, David Mann é um personagem central que evoca histórias bíblicas (Davi vs Golias) e transmite à plateia um senso de fragilidade emocional e física com as quais é fácil se identificar. Em um toque de mestre, seu duelo com o caminhoneiro representa uma luta quase interna: culpado por não ter defendido sua esposa de uma cantada violenta, a ele parece que bater de frente com seu novo inimigo é uma forma de confirmar sua masculinidade e sua hombridade. É difícil não criar empatia com Mann, e Spielberg sublinha a tensão com closes claustrofóbicos, uma edição astuta e um desenho de som criativo, que brinca com a perspectiva da plateia e de seu protagonista. Baseado em um conto de Richard Matheson (também autor do roteiro) publicado na revista Playboy, "Encurralado" acabou por ser um extraordinário cartão de visitas para Steven Spielberg - que poucos anos depois mudaria para sempre o conceito de sucesso comercial em Hollywood. Como se pode perceber, talento sempre houve.

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