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A BALADA DE BUSTER SCRUGGS

A BALADA DE BUSTER SCRUGGS (The ballad of Buster Scruggs, 2018, Netflix, 133min) Direção: Ethan Coen, Joel Coen. Roteiro: Ethan Coen, Joel Coen, contos "All gold canyon", de Jack London, e "The gall who got rattled", de Stewart Edward White. Fotografia: Bruno Delbonnell. Montagem: Roderick Jaynes. Música: Carter Burwell. Figurino: Mary Zophres. Direção de arte/cenários: Jess Gonchor/Nancy Haigh. Produção executiva: Jillian Longnecker. Produção: Ethan Coen, Joel Coen, Megan Ellison, Robert Graf, Sue Naegle. Elenco: Tim Blake Nelson, James Franco, Liam Neeson, Zoe Kazan, Brendan Gleeson, Harry Melling, Clancy Brown, David Krumholtz, Stephen Root, Tom Waits, Sam Dillon, Grainger Hines, Saul Rubinek. Estreia: 31/8/2018 (Festival de Veneza)

3 indicações ao Oscar: Roteiro Adaptado, Figurino, Canção Original ("When the cowboy trades his spurs for wings"

Quando foi anunciado que os irmãos Coen estavam desenvolvendo um trabalho para a Netflix, de imediato todos imaginaram uma série - especialmente quando ficou revelado que seu projeto consistia de seis pequenas histórias que tinham em comum a ambientação no Velho Oeste. A ansiedade em relação ao que dois dos cineastas mais festejados de Hollywood apresentariam teve fim no Festival de Veneza de 2018: "A balada de Buster Scruggs" é um filme digno de figurar entre os destaques da carreira da dupla e em nenhum momento parece amarrado a qualquer tipo de limitação que porventura poderia cercear sua criatividade. Mesclando histórias próprias e duas adaptações literárias, os vencedores do Oscar (roteiro por "Fargo", de 1996, e filme, direção e roteiro em 2007, por "Onde os fracos não tem vez") apresentaram a seu fiel público - e a uma extasiada crítica - uma produção caprichadíssima, que consegue equilibrar belas situações dramáticas com seu particular senso de humor. Em "A balada de Buster Scruggs", ironia e delicadeza caminham lado a lado, para deleite do espectador mais exigente.

O filme já começa de forma heterodoxa, em forma de musical: o protagonista da primeira história - e que empresta seu nome para o título da produção - chega a um vilarejo típico do velho oeste cantando e se apresentando como um dos mais procurados pela lei. Consciente de seus talentos como atirador e cantor, ele faz pouco caso do fato de estar sendo caçado e resolve descansar e beber na cantina local. Logo que chega, portanto, ele arruma confusão com um valentão do lugar, o assustador Joe (Clancy Brown) - e, em consequência, transforma o bar no palco de um quebra-quebra generalizado, até ser desafiado em duelo por outro autoconfiante atirador (Willy Watson). O segmento acaba com mais uma canção - a indicada ao Oscar "When the cowboy trades his spurs for wings" - e se destaca pelo inusitado do humor bizarro, pela agilidade e pela atuação impecável de Tim Blake Nelson, que já havia percorrido o musical e a comédia pelas mãos dos Coen no ótimo "E aí, meu irmão, cadê você?", de 2000. A segunda história tem o titulo de "Near algodones" e apresenta um jovem cowboy (James Franco) tentando assaltar a agência bancária do destemido (Stephen Root) e descobrindo, da pior forma possível, que o aparentemente frágil veterano não irá se submeter facilmente à situação. Mais uma vez é o equilibrio entre dois gêneros - faroeste e comédia - que sustenta a ágil narrativa.


O terceiro conto, "Meal ticket", conta as desventuras de um empresário irlandês (Liam Neeson) que percorre as cidades pequenas para apresentar à população o show de Horatio Edwin Harrison (Harry Melling, da série de filmes "Harry Potter", irreconhecível), que, desprovido de pernas e braços, declama uma série de textos célebres. Aos poucos, no entanto, o empresário começa a ver o público rarear - e descobre um outro (e surreal) talento para cuidar. É, sem dúvida, o conto mais tocante, sustentado pelo belo visual e pela interpretação de Melling, que consegue conquistar a plateia mesmo que não fale nenhuma palavra própria - todo o texto declamado por ele vem de outras fontes, como a Bíblia, Shakespeare e Abraham Lincoln, misturados em um monólogo memorável. O quarto segmento, "All gold canyon", é baseado em uma história de Jack London e mostra um experiente garimpeiro, interpretado por Tom Waits, buscando, incansavelmente, o ouro que o deixará rico. Seus esforços, porém, encontram um revés inesperado - e que pode destruir suas chances de entregar-se à aposentadoria. Talvez seja a mais fraca das histórias, mas ainda assim consegue surpreender.

O conto seguinte, "The gal who got rattled", é inspirado na obra de Stewart Edward White, e é a única história protagonizada por uma mulher - no caso, a inocente e tímida Alice Longabaugh (Zoe Kazan), que parte em direção ao Oregon em companhia do irmão, Gilbert (Jefferson Mays) - que lhe arrumou um casamento que também beneficia a seus negócios. O longo trajeto de sua caravana, no entanto, lhes reservas algumas surpresas - capazes de mudar completamente seu destino. Nesse episódio quem se sobressai é a atriz Zoe Kasdan: neta do lendário cineasta Elia Kazan, ela entrega uma performance acima da média, vivendo uma personagem repleta de nuances. O segmento final é o mais, digamos assim, surreal. "The mortal remains" apresenta cinco personagens em uma viagem de diligência em direção a uma cidade do Colorado. No diálogo que sustenta a trama, eles se revelam completamente diferentes um do outro - seja em vivência ou atitudes. E é preciso prestar atenção em cada palavra dita: há uma reviravolta em seus minutos finais, que o deixa ser a conclusão perfeita para o filme. Tal reviravolta é o trunfo da história, assim como seus intérpretes - que incluem os veteranos Brendan Gleeson e Saul Rubinek.

O melhor de "A balada de Buster Scruggs" é que, apesar de ser um filme construído em um formato episódico, ele jamais cai na armadilha da irregularidade. Claro que alguns segmentos chamam mais a atenção que outros - mas isso é de cada espectador. Todas as seis histórias apresentam características da filmografia de seus diretores/roteiristas/produtores e é evidente a qualidade ímpar de cada uma delas. O capricho do filme - independente se visto em uma sala de cinema ou via streaming - chamou a atenção da Academia de Hollywood, que lhe indicou em três categorias do Oscar: roteiro adaptado, figurino e canção original. O preconceito contra plataformas como a Netflix foi maior, entretanto, e essa pequena pérola da carreira de Joel e Ethan Coen acabou ficando de fora da lista de vencedores - sem falar em outras categorias em que ele poderia facilmente ter sido indicado, como direção de arte, fotografia e coadjuvantes: tudo é sensacional em "A balada de Buster Scruggs", que não fica nada a dever aos outros trabalhos da dupla. Um grande pequeno filme!

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