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A UM PASSO DA LIBERDADE

A UM PASSO DA LIBERDADE (Le trou, 1960, Filmsonor/Play Art/Titanus, 131min) Direção: Jacques Becker. Roteiro: Jacques Becker, José Giovanni, Jean Aurel (adaptação), Jacques Becker, José Giovanni (diálogos), livro de José Giovanni. Fotografia: Ghislain Cloquet. Montagem: Marguerite Renoir, Geneviève Vaury. Música: Philippe Arthuys. Direção de arte: Rino Mondellini. Produção executiva: Georges Charlot, Jean Mottet. Produção: Serge Silberman. Elenco: Michel Constantin, Jean Keraudy, Philippe Leroy, Raymond Meunier, Mark Michel. Estreia: 18/3/60

Em 1947, o jovem Claude Gaspard (Marc Michel) é transferido da cela onde está cumprindo pena por agressão à ex-mulher para uma outra, onde vivem quatro outros prisioneiros. Sua chegada inesperada cria um clima de tensão no pequeno espaço, cujos moradores nutrem um relacionamento de completa confiança. A princípio isolado dos demais colegas, Claude aos poucos vai ganhando sua simpatia - até que um dia o grupo resolve contar a ele o motivo de tamanha desconfiança: eles estão planejando uma fuga, e em um canto da cela está o túnel que já estão cavando há meses. Sem pestanejar, Claude se une ao plano - mas será que ele realmente é uma pessoa leal o bastante para ficar em silêncio a respeito? E se for, será que é capaz de manter segredo mesmo quando pressionado pelas autoridades locais? Com essa premissa simples, que une o suspense sobre a fuga com a pressão psicológica da situação, o filme "A um passo da liberdade" - ou "O buraco", em uma tradução literal do título original -, o último filme do diretor francês Jacques Becker, que morreu duas semanas após o término das filmagens, sem completar o trabalho de pós-produção. De narrativa simples e claustrofóbica, o filme é baseado em uma história real e se utiliza de atores amadores para criar mais autenticidade junto à plateia. O resultado é simplesmente sensacional.

Menos festejado que seus contemporâneos cineastas da nouvelle vague, Becker morreu antes da finalização da mixagem de som de seu último filme. Sua morte, porém, não impediu que o resultado ficasse como ele desejava: o único senão foi a eliminação de cerca de 24 minutos da metragem original, com o objetivo de atender as demandas do mercado internacional - uma perda significativa, uma vez que nunca mais se teve notícias das cenas cortadas na versão comercial. Apesar disso, "A um passo da liberdade" pode ser considerado o canto do cisne do diretor. Coautor do roteiro, baseado no livro de José Giovanni - por sua vez inspirado em uma tentativa de fuga real -, Becker demonstra total domínio do tempo, da atmosfera e da direção de atores, mesmo que todos os protagonistas sejam interpretados por atores não profissionais (um deles, Jean Keraudy, interpreta ele mesmo no filme, mesmo que com o nome disfarçado). A autenticidade da produção é perceptível também na direção de arte, que reconstitui a prisão em seus mínimos detalhes - crédito para dois membros da história real, contratados como consultores. Salvo raras exceções, todo o filme se passa dentro da cela dos presidiários e no túnel construído por eles para possibilitar a tão sonhada liberdade, ainda que tomada à força.


O protagonista, interpretado por Marc Michel é apresentado como um sujeito tímido, fechado em si e com uma clara diferença em relação a seus novos colegas: bem educado e perceptivelmente deslocado na prisão, ele se vê diante de quatro pessoas já acostumadas com a rotina do local e desprovidas de qualquer tipo de otimismo em relação a seu destino - ao menos até que seja revelado o plano de fuga. A partir daí, Becker convida o espectador a participar da trama, como uma testemunha privilegiada e - por que não? - simpática à causa dos detentos. Nesse ponto, o cineasta sublinha com precisão a tensão entre eles, abdicando de trilha sonora e enfatizando a opressão do silêncio que os cerca. Como um artesão competente, ele ainda consegue surpreender ao filmar, em tempo real, uma das incursões dos personagens ao túnel que está sendo cavado: sem cortes, o filme leva o público a sentir sua mesma sensação de cansaço e claustrofobia. O mesmo acontece em outros momentos, que desafiam a edição avassaladora do cinema comercial hollywoodiano: algumas cenas mostram pequenos acontecimentos do dia-a-dia, como a hora do jantar ou conversas pouco relevantes à trama central. É um estilo particular que pode incomodar a alguns e encantar a outros - tudo depende de quanto o espectador está disposto a embarcar em um gênero de filme normalmente associado à ação. "A um passo da liberdade", apesar do tema, jamais abandona seu DNA europeu.

Filmado em dez semanas, "A um passo da liberdade" acrescenta ainda mais "transgressões" às regras do cinema comercial: não há créditos iniciais, o filme é aberto com um dos atores (justamente um dos participantes da fuga, apresentando a trama) e a trilha sonora, quando acontece, é diagética (toda música vem de dentro dos cenários e não externamente, com exceção dos créditos finais). Além disso, Becker faz questão de retratar todos os personagens com um certo ar de mistério, que se avoluma nos minutos finais. O fato de os intérpretes serem amadores e sem experiência em cinema torna a experiência ainda mais rica: o público tem a impressão de estar assistindo a um quase documentário - beneficiado por seu talento em borrar as fronteiras do gênero e envolver a audiência com o mínimo de artifícios. Imperdível por inúmeras razões, "A um passo da liberdade" é a prova de que, se Jacques Becker é um diretor pouco reconhecido hoje em dia, precisa urgentemente ser redescoberto pelas novas gerações.

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