CHÁ E SIMPATIA (Tea and sympathy, 1956, MGM Pictures, 122min) Direção: Vincente Minnelli. Roteiro: Robert Anderson, peça teatral de sua autoria. Fotografia: John Alton. Montagem: Ferris Webster. Música: Adolph Deutsch. Direção de arte/cenários: Edward Carfagno, William A. Horning/Keogh Gleason, Edwin B. Willis. Produção: Pandro S. Berman. Elenco: Deborah Kerr, John Kerr, Leif Erickson, Edward Andrews, Darryl Hickman, Norma Crane. Estreia: 27/9/56
Vencedor do Golden Globe de Revelação Masculina (John Kerr)
Desafiar o Código Hays - conjunto de "normas morais" que regulou a produção cinematográfica nos EUA entre os anos 1930 e 1968 - não era tarefa das mais fáceis: ciosos de que qualquer desvio na conduta de suas produções poderia resultar em boicote ou simplesmente censura, os estúdios de Hollywood permaneceram por décadas amarradas a um puritanismo quase medieval. Desde coisas como cenas de nudez, prostituição e tráfico de drogas até miscigenação, insinuação de perversões sexuais e escravidão - de brancos, é preciso salientar -, o Código Hays atrasou por um bom tempo a maturidade do cinema norte-americano. Porém, muito de vez em quando, algum filme tentava quebrar as regras, com o objetivo de contar histórias mais adultas e realistas. Foi o caso de "Chá e simpatia", lançado pela MGM em 1956, ou seja, no auge da vigência do Código. Adaptação de uma peça teatral de sucesso na Broadway, o filme de Vincente Minnelli manteve seus dois atores principais na transposição dos palcos para as telas, mas mesmo com a presença de Deborah Kerr - que no mesmo estava no elenco do vitorioso "O rei e eu" -, o filme repetiu o destino de outros que tiveram a mesma ousadia: o fracasso nas bilheterias.
Não que a ideia de transformar a peça em um filme tenha sido um mar de rosas: levou anos até que a MGM finalmente aceitasse um roteiro - escrito pelo mesmo autor da versão teatral, Robert Anderson - que passasse pelo aval do famigerado Código. O desafio de disfarçar homossexualidade, adultério e prostituição (temas que faziam parte do texto original) era tanto que Anderson ganhou três vezes mais do estúdio pelo roteiro do que pelos direitos da peça. De certa forma foi bem-sucedido: apesar de o roteiro não escapar de certos tiques de teatro filmado (como a opção por diálogos em detrimento de ação visual), o filme consegue manter o público até o final, com discussões cada vez mais válidas: até que ponto uma minoria deve submeter-se às regras da maioria? Existe certo e errado na forma com que as pessoas conduzem suas vidas? E até onde as regras da sociedade podem intervir na vida particular de cada um? Tais questões podem ter ficado mais evidente no palco - no filme a palavra "homossexualidade" jamais é citada, apesar de ser o ponto principal da trama -, mas é impossível que o público não associe o drama do protagonista a um dos pecados mortais do Código Hays.
O personagem principal de "Chá e simpatia" é o jovem adolescente Tom Lee (John Kerr, que apesar do sobrenome não tem qualquer relação familiar com a estrela Deborah). Aos dezessete anos, John não consegue se enturmar com seus colegas masculinos, preferindo atividades intelectuais ao invés de outras, consideradas mais masculinas. John sabe cozinhar e costurar, sonha em ser um cantor de folk, entende de jardinagem e suas aventuras pelo teatro interpretando personagens femininas; tais fatos, aliados à falta de jeito de John em lidar com meninas, fazem com que ele seja o alvo preferido dos rapazes da escola, que não demoram em lhe arrumar um apelido pouco elogioso. Sofrendo com tal situação - e ainda o desprezo do próprio pai, viúvo e pouco compreensivo -, Tom encontra alívio em sua relação de amizade com Laura Reynolds (Deborah Kerr), a esposa do diretor da escola, Bill Reynolds: percebendo a angústia do jovem, Laura começa a servir como a voz da razão, defendendo-o e entrando em rota de colisão com aqueles que o atacam, incluindo seu marido.
Dirigido com delicadeza por Vincente Minnelli - ele próprio vítima de suspeitas quanto à sua orientação sexual nos bastidores de Hollywood -, "Chá e simpatia" é um filme corajoso, mesmo que tente disfarçar (mas não muito) seu polêmico tema. Os diálogos - ricos e viscerais - servem como uma contundente crítica do preconceito: porque um homem não se sente confortável em atividades masculinas ele pode ser classificado como homossexual? Até que ponto suas preferências a atividades menos másculas determinam a orientação sexual de um homem? E por fim: é justo que jovens como Tom tentem encaixar-se nos moldes da sociedade para que sejam aceitos, mesmo que tal atitude castre sua personalidade? O roteiro de Robert Anderson joga tais perguntas ao ar, enquanto os personagens de sua obra buscam, de uma maneira ou outra, a felicidade (ou ao menos a tolerância). O final - diferente da versão teatral - pode até diminuir o impacto do filme como um todo (foi quase uma imposição da MGM), mas não consegue destruir as qualidades de uma produção sutil, respeitosa e necessária.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quarta-feira
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