segunda-feira

OS OLHOS SEM ROSTO

OS OLHOS SEM ROSTO (Les yeux sans visage, 1960, Champs-Élysées Production/Lux Films, 90min) Direção: Georges Franju. Roteiro: Pierre Boileau, Thomas Narcejac, Jean Redon, Claude Sautet, romance de Jean Redon. Fotografia: Eugen Shuftan. Montagem: Gilbert Natot. Música: Maurice Jarre. Figurino: Marie-Martine. Direção de arte/cenários: Auguste Capelier/Margot Capelier. Produção: Jules Borkon. Elenco: Pierre Brasseur, Alida Valli, Juliette Mayniel, Alexandre Rignaut, Béatrice Altariba. Estreia: 11/01/60

Em Hollywood, os filmes de terror sempre foram relegados à incômoda categoria de filmes marginais, sem qualidade artística e criados unicamente com o objetivo de ganhar dinheiro fácil, às custas, no entanto, de uma plateia fiel ao gênero. Na França, terra da nouvelle vague e da prestigiada revista Cahièrs do Cinemà, a situação não era assim tão diferente: em 1960, quando "Os olhos sem rosto" estreou, a imprensa fez questão de demonstrar sua opinião absolutamente negativa a respeito da produção. Dirigida por Georges Franju, até então respeitado por seus documentários em curta-metragem e por ser o co-fundador da imprescindível Cinemateca Francesa, ao lado de Henri Langlois, a adaptação do livro de Jean Redon foi considerada um passo em falso em sua carreira, por tratar-se, segundo os críticos, de um "gênero menor". O único crítico razoavelmente importante a ter a coragem de desafiar o pensamento comum, um britânico do jornal "The spectator"", quase perdeu o emprego pela ousadia de reconhecer no filme as qualidades que o cineasta já havia demonstrado em trabalhos anteriores - e que continuavam aparecendo em "Os olhos sem rosto" apesar do desprezo dos jornalistas especializados. Em sua defesa - se é que precisasse de uma -, Franju declarou que escolheu adaptar o livro de Redon justamente para dar credibilidade aos filmes de suspense e terror. Demorou até que tal objetivo fosse alcançado - e, mesmo assim, com reservas.

Ao ser lançado nos EUA, "Os olhos sem rosto" já havia sido renegado em seu país de origem, o que encorajou seus exibidores a tratá-lo com quase desprezo. Não só recebeu um novo e inexplicável título - "The horror chamber of Dr. Faustus", seja lá quem seja esse Dr. Faustus criado pelos norte-americanos - como chegou aos cinemas como segunda parte de um programa duplo - o outro filme era o japonês "The manster". A essa altura, em outubro de 1962, a plateia já sabia que, durante sua exibição no Festival de Cinema de Edimburgo, alguns espectadores chegaram a desmaiar diante de uma de suas cenas consideradas mais pesadas - a saber, uma cirurgia mostrada sem preocupação com o bem-estar da audiência. Foi somente em 2003, no entanto, que o filme teve um lançamento digno, sem os cortes de sua primeira exibição e com o título original: tornou-se cult e, em 2008, ficou em 74º lugar em uma pesquisa feita pela revista Entertainment Weekly para classificar os 100 novos clássicos do cinema, lançados a partir de 1983 - está certo que, sendo de 1960, entrou na lista como um quase intruso, mas se for levado em consideração de que só foi corretamente assistido já no século XXI, dá para fechar os olhos a tal pequena trapaça.


Influente a ponto de inspirar John Carpenter a criar o visual de Michael Myers em seu "Halloween: a noite do terror" (1978) e o roqueiro Billy Idol a compor a bela "Eyes without a face", o filme de Georges Franju se destaca entre seus parceiros de gênero ao levar a história bastante a sério. Não há espaço para piadas na trama criada por Jean Redon, um sufocante pesadelo em preto-e-branco, valorizado pela trilha sonora de Maurice Jarre e pelas atuações inspiradas de seu trio de atores centrais. O filme já começa em plena ação, quando, durante a noite, uma mulher tira o corpo de outra de seu carro e o joga em um rio. Tal mulher é Louise (Alida Valli), a assistente do famoso cirurgião Genéssier (Pierre Brasseur) - e a jovem vítima é reconhecida no necrotério pelo próprio médico, que afirma tratar-se de sua filha, Christine (Juliette Maynel). Na verdade, porém, Christine não está morta, e Genéssier não apenas sabe disso como a mantém escondida em sua mansão/consultório - além disso, ele sequestra jovens do sexo feminino com a ajuda de Louise e as faz passar por cirurgias de remoção de seus rostos. Seu objetivo é um só: reconstruir o rosto de sua filha, desfigurado em um trágico acidente que foi sua responsabilidade. Ele obriga a melancólica Christine a usar uma máscara que esconde suas feições e testa com frequência a pele de outras mulheres - uma obsessão que o leva cada vez mais à insanidade.

A direção certeira de Franju mergulha o espectador em um labirinto dos mais angustiantes quando revela, aos poucos, o rumo que a trama vai tomando quando Christine passa a tentar fugir de sua situação de prisioneira (tanto do pai quanto da máscara que é obrigada a usar). Optando por um suspense psicológico salpicado por sequências bastante explícitas, o cineasta constrói um clima opressor através da música, de silêncios significativos e de uma direção de arte impressionante, que contrapõe os atos desvairados do protagonista masculino a cães e pássaros presos em algo que lembra facilmente uma masmorra. Suas opções estéticas - emuladas por Pedro Almodóvar em "A pele que habito" (2011) - são fascinantes, provocando ao mesmo tempo interesse e repulsa, curiosidade e tensão. Um filme de terror que não apela para sustos fáceis e vilões inverossímeis, "Os olhos sem rosto" é um programa de primeira para os fãs do gênero - e até mesmo aqueles avessos a produções do tipo pode ser uma descoberta das mais felizes. Uma pequena obra-prima!

Nenhum comentário:

VAMPIROS DO DESERTO

VAMPIROS DO DESERTO (The forsaken, 2001, Screen Gems/Sandstorm Films, 90min) Direção e roteiro: J. S. Cardone. Fotografia: Steven Bernstein...